A VEZ DOS PARTIDOS POLÍTICOS
Paulo Afonso Linhares
Nos anos 80’ do século XX, teve início o último processo de redemocratização do Brasil, cujo marco foi a convocação da Assembléia Nacional Constituinte que, a despeito de não ser exclusiva, pois resultou da transformação do Congresso Nacional, quando instalada buscou legitimação ao permitir a participação, no processo, do movimento popular organizado. Aliás, essa participação terminou tão escancarada que os lobistas de todas as extrações buscaram a consagração constitucional para uma série de demandas sociais, que resultou no malefício do detalhismo do texto da Constituição de 1988. Foi assim que ingressou no texto da Lei Maior uma enormidade de disposições materialmente inadequadas, deixando bem à mostra o conflito – identificado pelo constitucionalista austríaco Carl Schmitt – entre Constituição formal e Constituição material.
Os partidos políticos, na nova configuração da Carta de 1988, ganharam uma estrutura que obedece ao perfil do Estado Democrático de Direito, porém, sem enfrentar a questão da fidelidade partidária. Bastaria que num cantinho do artigo 17 contivesse uma disposição que desse aos partidos os mandatos eletivos conquistados nas urnas, de modo que o filiado que o ocupasse perderia o cargo na hipótese de desligamento partidário, voluntário ou não. Somente isto já impediria uma serie de negociatas e vícios que tradicionalmente permeiam o sistema partidário. Numa palavra, a fidelidade ao partido seria a regra. Claro, os senadores e deputados federais, que preferem um sistema partidário sem regras mais rígidas quanto à fidelidade, mantiveram a promiscuidade política da troca de partido como se troca de camisa.
Entretanto, como a política não comporta vazios, diante da omissão do Congresso Nacional, que deveria ter editado regras de fidelidade partidária mais rígida e que acabasse com o eterno troca-troca de partidos, mas não editou, o Poder Judiciário resolveu avançar na interpretação constitucional e formatou um modelo que mantém o filiado detentor de mandato eletivo preso ao partido, que é, em derradeira análise, o “dono” do mandato. Com base nesse entendimento pretoriano, muitos mandatos foram perdidos por decisão da Justiça Eleitoral, que não reconheceu justa causa nas mudanças partidárias. O acionamento da máquina judicial estava, entretanto, restrito à iniciativa do partido político que perdeu o filiado ou por terceiro interessado, com o é o caso do suplente.
Atualmente, mudança no entendimento jurisprudencial atribuiu ao Ministério Público Eleitoral o direito de requerer judicialmente a perda de mandatos eletivos daqueles que mudarem de partido sem justo motivo. Por isso é que tem sido intensa a movimentação na Justiça Eleitoral dos pedidos de perda de mandatos eletivos. Afinal, a atitude do MPE e o reconhecimento por parte do Poder Judiciário de que os mandatos eletivos pertencem aos partidos que os conquistaram nas urnas, não podendo os filiados que os ocupam deles dispor livremente, induzem o fortalecimento do sistema partidário, com a preservação das instituições democráticas. Afinal, não é sem razão que o filósofo italiano Antonio Gramsci atribui ao partido político a condição de príncipe do Estado contemporâneo e não mais ao condottiere que, na época de Maquiavel, detinha o poder político. Agora é a vez dos partidos políticos, mesmo porque sem eles as democracias são irrealizáveis.
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