domingo, 7 de dezembro de 2014

Artido de Paulo Afonso Linhares

PRECARIZAÇÕES DA CIDADANIA

Paulo Afonso Linhares

A implantação do Estado Democrático de Direito, ocorrida há 26 anos com o advento da Constituição de 1988, inegavelmente sedimenta uma cultura  cidadã que, ao menos do ponto de vista formal, tem como azimute o respeito à dignidade da pessoa humana. Na prática, contudo, paradoxalmente é cada vez mais perceptível a adoção pelo Estado brasileiro, nos seus três níveis (União, Estados-membros/ Distrito Federal e Municípios), de políticas e ações que de modo crescente impõem precarizações ao exercício da cidadania, em vários domínios da existência. Imprescindível, nos dias que correm, seja repensado o papel do Estado em confronto com o elenco de direitos e garantias fundamentais do cidadão.

O grave é que essas atitudes precarizantes da cidadania têm como alvo aquela faixa da população de maior dinamicidade econômica, que corresponde aos que os cientistas sociais denominam de camadas médias. Sem dúvida é a classe média, para usar o jargão popular, que detém maior capacidade de consumo, que "forma opinião" e decide os rumos políticos da nação. A despeito disto, porém, nas casas legislativas brasileiras, com especialidade no Congresso Nacional, cuja competência legiferante de cunho privativo é amplíssima conforme se vê no artigo 22 da Constituição Federal, cresce a produção de um vasto arsenal normativo que impõe ao cidadão comum deveres e prestações, sejam de cunho administrativo sejam de caráter tributário, que transtornam a vida e, sobretudo, causam consideráveis comprometimentos das rendas e dos patrimônios individuais.

Para as diversas estirpes de burocratas encarapitadas na Administração Pública direta e indireta das três esferas de poder federativo, o cidadão médio é sempre visto como um ser "tosquiável", a quem se deve cumular de deveres cada vez mais gravosos, sentimento malsão este compartilhado pela maioria dos legisladores (senadores, deputados federais e estaduais/distritais e vereadores), aos quais cabem, no âmbito de suas competências, construir as arapucas legais que dão esteio a essas ações prejudiciais à vastos segmentos da população.

Veja-se, por exemplo, a imposição crescente de gravames impostos aos condutores/proprietários de veículos automotores: como se não bastassem o imposto (IPVA) e as taxas escorchantes que pagam anualmente, são molestados por inúmeros aparatos de fiscalização eletrônica  - especialmente os ditos "pardais" - que  são colocados nas vias urbanas e nas rodovias com o objetivo único de captação farta de recursos através das multas que inevitavelmente "vitimizam" condutores de veículos automotores e servem ao propósito pouco republicano de encher os bolsos de alguns espertalhões, merecendo ressaltar que essas atividades são exploradas por empresas privadas que montam essas ratoeiras para extorquir do cidadão. As punições impostas aos condutores de veículos em nada educam ou melhoram o trânsito, ademais da circunstância de que parte substancial dos recursos arrecadados servem a propósitos inconfessáveis e podem alimentar redes de corrupção. Essa prática de repete em várias outras atividades estatais, inclusive as tais de "regulação" exercidas por poderosas agências estatais, criadas aos montes nas últimas três décadas,  do tipo ANA,  ANP, ANATEL, ANTT, ANAC, ANS, ANEEL, ANTAQ, ANVISA, ANCINE etc.


Certo é que o exercício do poder de polícia - que nada tem a ver com a função policial, ostensiva ou judicial - cada vez mais intenso e diversificado no caudal do intervencionismo estatal, ao lado das atividades desenvolvidas pelas máquinas tributárias federal, estadual, distrital e municipal, constituem fortes motivos para  aporrinhar cidadãos deste país, achacados que são de múltiplas formas por um Estado onipotente, voraz  e hipertrofiado, ademais de gastador e incompetente, uma tradução do mitológico monstro Leviatã. Assim, comparativamente, a alegoria da mordida do Leão do Imposto de Renda, tão forte no passado, hoje não passa de coisa de trombadinha. 

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