segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Artigo de Paulo Afonso Linhares

AS LÁGRIMAS AMARGAS 
DE DILMA ROUSSEFF
Paulo Afonso Linhares
Dilma Rousseff chorou. E comoveu a nação, em imagens que rodaram o mundo e foram estampadas nas primeiras páginas dos grandes jornais do planeta. E suas lágrimas amargas em muito superaram as de Petra von Kant, a famosa personagem de Rainer Werner Fassbinder, pois, a presidente da República era só emoção no ato solene de recebimento do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, ocorrido em 10 de dezembro de 2014, na cerimônia ocorrida no Palácio do Planalto. A presidente Dilma, militante política em organização que combateu a Ditadura, nos anos ’70 foi presa e submetida a cruéis e ultrajantes sessões de tortura. A dama de aço se desfez em choro durante o breve discurso em que fez ver que os elementos que pautaram o processo de superação da Ditadura ainda estão colocados politicamente, por lastimável que isto possa parecer, e que constituem óbices à revisão histórica preconizada pela CNV em seu relatório final.
O documento entregue à presidente Dilma, em três alentados volumes, é o resultado de dois anos e sete meses de trabalho da Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei nº 12.528/2011 e instalada em maio de 2012 com o desiderato de “[...] apurar e esclarecer, indicando as circunstâncias e a autoria, as graves violações de direitos humanos praticadas entre 1946 e 1988 (o período entre as duas últimas constituições democráticas brasileiras) com o objetivo de efetivar o direito à memória e a verdade histórica e promover a reconciliação nacional”, segundo se lê no sítio oficial dessa Comissão.
Claro que todos os que se opuseram ao Estado de exceção implantado a partir de abril de 1964, inclusive a própria presidente da República, desejavam que os trabalhos dessa Comissão fossem a catarse que falta à sociedade brasileira para um encontro definitivo consigo mesma. Ainda não foi desta vez, como não foi na época em que veio a lume a Lei da Anistia (Lei nº 6.683/79), em cujo artigo 1º ficou estabelecido que todos os crimes políticos e conexos, praticado entre 1961 e 1979, seriam anistiados. Assim, todas as graves violações a direito humanos, torturas, mortes, sequestros, ocultação de restos mortais de vítimas, abusos sexuais e outras aberrações do gênero, perpetradas por agentes públicos a serviço das forças de segurança que davam sustentáculo ao regime de exceção passaram a ter o mesmo peso dos “crimes” daqueles que, pacificamente ou através do confronto armado, se opuseram ao mando dos generais-presidentes.
Isto foi o que se pôde conseguir naquele momento, por meio de difíceis negociações políticas, para suplantar a ditadura, todavia, é também preocupante a atual conjuntura, porquanto as nossas instituições democráticas ainda não se consolidaram, quase três décadas após o fim da ditadura militar implantada em 1964. Aliás, o que se viu numa manifestação política ocorrida recentemente em São Paulo, foram algumas pessoas a pedir o retorno da ditadura. Algo insano. Evidente, porém, que o relatório final da CNV constitui um avanço político na medida em que, após compulsar uma montanha de provas (os seis membros da CNV - José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Pedro Dallari e Rosa Cardoso - colheram 1.121 depoimentos, 132 deles de agentes públicos, com realização de 80 audiências e sessões públicas pelo Brasil, com visitas a 20 Estados da federação), faz 29 recomendações a serem adotadas pelo Estado brasileiro, a fim de que não voltem a ocorrer outras graves violações aos direitos humanos.
A CNV caminhou no trilho de algumas entidades da sociedade civil que, em passado recente, também fizeram idênticos inventários de cicatrizes (p.ex., o “Movimento Tortura Nunca Mais”), ademais da condenação do Estado brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 24 de novembro de 2010, no julgamento do caso Gomes Lund e Outros, tendo como pano de fundo um cenário trágico em que apareceram as prisões sem base legal, a tortura e as mortes dela decorrentes, as violências sexuais, as execuções e as ocultações de cadáveres e desaparecimentos forçados.
Ressalte-se que o ponto mais polêmico do relatório final da CNV é a recomendação do julgamento, pelo Judiciário brasileiro, de todos os agentes públicos - os cinco generais-presidente e mais de três centenas de outras pessoas - envolvidos nas violações a direitos humanos naquele período, partindo da premissa de que a Lei de Anistia não os abrangera, o que contradiz a decisão do Supremo Tribunal Federal, de 2010, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Com efeito, a contramão do entendimento dos sistemas de proteção aos direitos humanos em escala planetária, o STF julgou improcedente a ADPF nº 153 e considerou constitucional a Lei de Anistia, ao equiparar as vítimas de graves violações de direitos humanos aos seus algozes, o que causou enormes frustrações às famílias de torturados, mortos e desaparecidos por obra malsã dos agentes da ditadura militar. Isso, todavia, não encerra o assunto.  As lágrimas de Dilma decerto que não foram em vão. A conferir. 

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