domingo, 22 de setembro de 2013

Artigo de Paulo Afonso Linhares

ESPIONAGEM DO TIO SAM

Paulo Afonso Linhares

Os Estados Unidos da América são uma nação admirável pelas instituições que o seu povo logrou erigir, desde aquele dia 11 de novembro de 1620, quando os peregrinos do navio Mayflower chegaram à Nova Inglaterra, após penosa viagem de 66 dias desde o porto de Plymouth, na Inglaterra. A sorte estava lançada, sem retrocesso possível: a velha Álbion de tantos conflitos religiosos ficara do outro lado do Atlântico.  Os fundadores da Colônia Plymouth, que passaram à História como "peregrinos", foram tão envolvidos numa aura lendária que somos tentados a imaginá-los como homens e mulheres reais. Com efeito, os 102 passageiros, em sua maioria puritanos separatistas que buscavam liberdade religiosa, longe do poder hegemônico da Igreja Anglicana, foram os primeiros colonos a se estabelecer naquilo que se tranformaria nos Estados Unidos da América. Fundaram a cidade de Plymouth, que tornar-se-ia a capital da Colônia de Plymouth. Antes do desembarque, ainda ao largo do Cap Cod, no atual Estado de Massachusetts, os colonos estabeleceram as regras  simples e práticas que, anos depois, se transformariam na Constituição de 1787.

Um dos primeiros pensadores europeus a perceber a revolução que se processava nas ex-colônias inglesas da América do Norte foi o  nobre francês Alexis de Tocqueville (1805-1859), cuja obra magna foi "De la démocratie en Amérique" (Da democracia na América), de onde se extrai trecho  em que demonstra a sua admiração pelas instituições que se erigiam na pátria norte-americana: "Concebo então uma sociedade em que todos, vendo a lei como obra sua, amá-la-iam e a ela se submeteriam sem custo; em que, por ser a autoridade do governo respeitada como necessária e não como divina, o amor que teriam pelo chefe do Estado não seria uma paixão, mas um sentimento ponderado e tranquilo. Tendo cada um direitos e a garantia de conservar seus direitos, estabelecer-se-ia entre todas as classes uma confiança vigorosa e uma espécie de condescen­dência recíproca, tão distante do orgulho como da baixeza."

Entretanto, não imaginava Tocqueville que um século e meio depois os EUA seriam a nação hegemônica do planeta, nos planos político, cultural, econômico e,  "last but not least", tornou-se uma superpotência militar que não abre mão do uso da força, sob diversas formas, para impor seus interesses no cenário internacional, cacoete e prepotência muito comuns aos impérios que vêm dominando o mundo nos diversos ciclos de globalização ao longo dos tempos: babilônio, egípcio, grego, romano, britânico e, no atual estágio, o norte-americano.

Se é bem certo que sob o domínio deste último o mundo experimentou a eclosão de várias dimensões de direitos humanos fundamentais, a partir mesmo de alguns deles encartados, sem maiores alardes retóricos, na sintėtica e mais do que bicentenária Constituição dos EUA (com apenas 7 artigos e 27 emendas, 10 das quais compõem a Carta dos Direitos dos Estados Unidos - Bill of Rights - por conterem os direitos básicos do cidadão face ao poder do Estado, que mereceu o comentário do juiz Warren Burger, que por mais tempo presidiu a Suprema Corte norte-americana: "A Constituição representou não uma concessão de poder dos governantes aos governados - como o Rei João sem Terra concedeu a Magna Carta em Runnymede em 1225 - mas uma delegação de poder feita pelo povo ao governo que criou"), percebe-se, hoje, um movimento de retração que tem como característica a precarização desses direitos condensados por inspiração norte-americana, na   Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
Entretanto, o Estado norte-americano não prima pela coerência: os atos de guerra, embora formalmente banidos pela Declaração da ONU, continuam a ser praticados, sob pretextos diversos, pelos EUA, que nas últimas seis décadas, que têm patrocinado ou feito guerras diretamente contra pequenos Estados, sempre tendo como pano de fundo seus interesses políticos e econômicos. A bola da vez agora é a Síria, prestes a se tornar alvo da poderosa máquina de guerra norte-americana que, com propósito aparentemente humanitário, puniria o ditador Bashar al-Assad pelo uso de armas químicas contra a população civil do país. Merece registro, também, a questão da Prisão de Guantánamo, oficialmente Campo de Detenção da Baía de Guantánamo (em inglês: Guantánamo Bay Detention Camp), prisão militar estadunidense que  integra a Base Naval da Baía de Guantánamo, incrustada na província também homônima, na ilha de Cuba. Aos prisioneiros alí mantidos, geralmente estrangeiros acusados de terrorismo, não são dadas as garantias processuais comuns aos cidadãos norte-americanos.As condições dos presos mantidos no campo de Guantânamo foram motivo de indignação internacional e alvo de duras críticas, tanto por parte de governos como de organizações humanitárias internacionais. As denúncias chegaram até a Suprema Corte dos Estados Unidos. Relata a Cruz Vermelha Internacional, que esses prisioneiros são vítimas de tortura, abusos sexuais e maus tratos diversas, em desrespeito aos direitos humanos e à convenção de Genebra. Desde sua abertura, já passaram por Guantánamo 775 prisioneiros sem acusação formada, sem processo constituído e, obviamente, sem direito a julgamento, o que não deixa de ser uma enorme contradição.

O mais recente escândalo internacional foi a descoberta recente de que o Tio Sam mantém vasta rede mundial de espionagem eletrônica; quase nenhuma pessoa física ou jurídica, no mundo inteiro, fica livre dos olhos desse Big Brother. Pelo que tem publicado a imprensa mundial, entre os espionados ilustres está inclusive a presidenta Dilma Rousseff e muitos de seus ministros (até a marca do presidencial absorvente os ianques conhecem), o que gerou enorme ruído nas relações dilomáticas do Brasil e EUA. Como reação imediata, foi cancelada viagem que a presdeta Dilma faria àquele país. O presidente Obama vem tergiversando sobre o pedido de explicações formalizado pelas autoridades brasileiras, situação que se agravou com outra descoberta: a agência de espionagem norte-americana teria invadido o sistema de dados da Petrobrás, tendo como motivação meros interesses econômicos. Algo como uma reles espionagem industrial feita pelo Estado norte-americano que, certamente, melindraria  a Alexis-Charles-Henri Clérel, visconde de Tocqueville,  a ponto que jogaria nos esgotos de Paris seu famoso livro de propaganda do modelo constitucional norte-americano.


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