ESPIONAGEM DO TIO SAM
Paulo Afonso Linhares
Os Estados Unidos da América são uma nação admirável pelas instituições que o seu povo logrou erigir,
desde aquele dia 11 de novembro de 1620, quando os peregrinos do navio
Mayflower chegaram à
Nova Inglaterra, após
penosa viagem de 66 dias desde o porto de Plymouth, na Inglaterra. A sorte
estava lançada,
sem retrocesso possível:
a velha Álbion
de tantos conflitos religiosos ficara do outro lado do Atlântico. Os fundadores da Colônia Plymouth, que passaram à História como "peregrinos",
foram tão
envolvidos numa aura lendária
que somos tentados a imaginá-los
como homens e mulheres reais. Com efeito, os 102 passageiros, em sua maioria
puritanos separatistas que buscavam liberdade religiosa, longe do poder hegemônico da Igreja Anglicana, foram os
primeiros colonos a se estabelecer naquilo que se tranformaria nos Estados
Unidos da América.
Fundaram a cidade de Plymouth, que tornar-se-ia a capital da Colônia de Plymouth. Antes do
desembarque, ainda ao largo do Cap Cod, no atual Estado de Massachusetts, os
colonos estabeleceram as regras simples
e práticas
que, anos depois, se transformariam na Constituição de 1787.
Um dos primeiros pensadores europeus
a perceber a revolução
que se processava nas ex-colônias
inglesas da América
do Norte foi o nobre francês Alexis de Tocqueville (1805-1859),
cuja obra magna foi "De la démocratie
en Amérique"
(Da democracia na América),
de onde se extrai trecho em que
demonstra a sua admiração
pelas instituições
que se erigiam na pátria
norte-americana: "Concebo então uma sociedade em que todos, vendo a lei
como obra sua, amá-la-iam e a ela se submeteriam sem custo; em que, por ser a
autoridade do governo respeitada como necessária e não como divina, o amor
que teriam pelo chefe do Estado não seria uma paixão, mas um sentimento
ponderado e tranquilo. Tendo cada um direitos e a garantia de conservar seus
direitos, estabelecer-se-ia entre todas as classes uma confiança vigorosa e
uma espécie de condescendência
recíproca, tão distante do orgulho como da baixeza."
Entretanto, não imaginava Tocqueville que um século e meio depois os EUA seriam a nação hegemônica do planeta, nos planos político, cultural, econômico e, "last but not least", tornou-se uma
superpotência
militar que não
abre mão
do uso da força,
sob diversas formas, para impor seus interesses no cenário internacional, cacoete e prepotência muito comuns aos impérios que vêm dominando o mundo nos diversos
ciclos de globalização
ao longo dos tempos: babilônio,
egípcio, grego, romano, britânico
e, no atual estágio,
o norte-americano.
Se é bem certo que sob o domínio deste último o mundo experimentou a eclosão de várias dimensões de direitos humanos fundamentais,
a partir mesmo de alguns deles encartados, sem maiores alardes retóricos, na sintėtica e mais do que bicentenária Constituição dos EUA (com apenas 7 artigos e 27
emendas, 10 das quais compõem
a Carta dos Direitos dos Estados Unidos - Bill
of Rights - por conterem os direitos básicos
do cidadão
face ao poder do Estado, que mereceu o comentário do juiz Warren Burger, que por
mais tempo presidiu a Suprema Corte norte-americana: "A Constituição representou não uma concessão de poder dos governantes aos
governados - como o Rei João
sem Terra concedeu a Magna Carta em Runnymede em 1225 - mas uma delegação de poder feita pelo povo ao governo
que criou"), percebe-se, hoje, um movimento de retração que tem como característica a precarização desses direitos condensados por
inspiração
norte-americana, na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
aprovada em 1948 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
Entretanto, o Estado norte-americano
não
prima pela coerência:
os atos de guerra, embora formalmente banidos pela Declaração da ONU, continuam a ser praticados,
sob pretextos diversos, pelos EUA, que nas últimas seis décadas, que têm patrocinado ou feito guerras
diretamente contra pequenos Estados, sempre tendo como pano de fundo seus
interesses políticos
e econômicos.
A bola da vez agora é
a Síria,
prestes a se tornar alvo da poderosa máquina
de guerra norte-americana que, com propósito
aparentemente humanitário,
puniria o ditador Bashar al-Assad pelo uso de armas químicas contra a população civil do país. Merece registro, também, a questão da Prisão de Guantánamo, oficialmente Campo de Detenção da Baía de Guantánamo (em inglês: Guantánamo Bay Detention Camp), prisão militar estadunidense que integra a Base Naval da Baía de Guantánamo, incrustada na província também homônima, na ilha de Cuba. Aos prisioneiros
alí
mantidos, geralmente estrangeiros acusados de terrorismo, não são dadas as garantias processuais
comuns aos cidadãos
norte-americanos.As condições
dos presos mantidos no campo de Guantânamo
foram motivo de indignação
internacional e alvo de duras críticas,
tanto por parte de governos como de organizações humanitárias internacionais. As denúncias chegaram até a Suprema Corte dos Estados Unidos.
Relata a Cruz Vermelha Internacional, que esses prisioneiros são vítimas de tortura, abusos sexuais e
maus tratos diversas, em desrespeito aos direitos humanos e à convenção de Genebra. Desde sua abertura, já passaram por Guantánamo 775 prisioneiros sem acusação formada, sem processo constituído e, obviamente, sem direito a
julgamento, o que não
deixa de ser uma enorme contradição.
O mais recente escândalo internacional foi a descoberta
recente de que o Tio Sam mantém
vasta rede mundial de espionagem eletrônica;
quase nenhuma pessoa física
ou jurídica,
no mundo inteiro, fica livre dos olhos desse Big Brother. Pelo que tem
publicado a imprensa mundial, entre os espionados ilustres está inclusive a presidenta Dilma
Rousseff e muitos de seus ministros (até
a marca do presidencial absorvente os ianques conhecem), o que gerou enorme ruído nas relações dilomáticas do Brasil e EUA. Como reação imediata, foi cancelada viagem que
a presdeta Dilma faria àquele
país.
O presidente Obama vem tergiversando sobre o pedido de explicações formalizado pelas autoridades
brasileiras, situação
que se agravou com outra descoberta: a agência
de espionagem norte-americana teria invadido o sistema de dados da Petrobrás, tendo como motivação meros interesses econômicos. Algo como uma reles espionagem
industrial feita pelo Estado norte-americano que, certamente, melindraria a Alexis-Charles-Henri Clérel, visconde de Tocqueville, a ponto que jogaria nos esgotos de Paris seu
famoso livro de propaganda do modelo constitucional norte-americano.
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