domingo, 29 de setembro de 2013

Artigo de Paulo Afonso Linhares

A ORFANDADE DE 
GOVERNOS DESASTRADOS

Paulo Afonso Linhares

Uma atitude muito comum aos chefes e chefetes políticos destes arraiais tupiniquins é a eterna crença na suposta estupidez e na pouca memória dessa entidade mítica conhecida simplesmente como "povo". Assim, imaginando-se protegidos por um manto de absolvição e amplíssima impunidade, ousam e abusam de nossa paciência, que até faz lembrar aquela severa admoestação do filósofo e político Romano, Marcus Tullius Cicero: "Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?"

Ora, tem sido uma prática corriqueira de lideranças políticas o apoio candidatos inermes, poucos vocacionados para o exercício do poder político e incapacitados para governar, numa ótica eminentemente republicana, para depois abandoná-los à sua própria sorte, sobretudo, quando se configura o insucesso político-administrativo de certa empreitada eleitoral. Neste caso, a orfandade prevalece: embora tenham engrossado o palanque de certo candidato e se apresentado como país de sua vitória, inclusive depois de convencer seus eleitores a votar naquele, muitas dessas lideranças pulam fora do governo e tentam fazer crer nenhuma responsabilidade de sua parte haver pelos descalabros administrativos patrocinados pelo correligionário ou aliado político caído em desgraça; as palavras ditas na campanha eleitoral, de boas e loas sobre as qualidades do então candidato, são convenientemente esquecidas. E definitivamente ganha forma mais um estelionato eleitoral.

Recentemente, viu-se o exemplo da hecatombe político-administrativa que foi o governo de Micarla de Souza, no Município de Natal. Todos os que entusiasticamente avalisaram sua candidatura, quando da campanha eleitoral, se afastaram de seu governo pouco tempo depois de iniciado, como se nada tivessem com isso; como não houvesse, sim, uma responsabilidade política manifesta, de lideranças e partidos políticos outros, pela existência do governo desastrado e desastroso do Partido Verde. Idêntico fenômeno ocorre agora com o governo Rosalba Ciarlini: praticamente todas as lideranças políticas que pediram votos para eleger a atual governadora do Rio Grande do Norte, com entusiasmo e promessas, romperam com ela e com seu governo, porém, fazem de conta que nada ocorreu. E nem fazem um simples pedido de desculpas aos eleitores por eles induzidos a votar na candidata do DEM. Aliás, até alguns correligionários de Rosalba, do mesmo DEM em que ela é matriculada, se dizem sem maiores ligações, sem prestígio e até que estariam fora do seu governo.

Se para essas lideranças até bem pouco tempo Rosalba seria a salvadora do Rio Grande do Norte, hoje torcem os narizes e afirmam de olhos rútilos que ela é a nova hecatombe política destas paragens. Aliás, os servidores públicos estaduais já começam até a sentir na própria pele os seus efeitos: depois de vinte anos sem atrasos salariais (os últimos ocorreram no governo Geraldo Melo), o governo Rosalba não vai pagar na data prevista os vencimentos de parte dos servidores, no mês de setembro de 2013.

Com efeito, no receituário das práticas republicanas e do respeito à cidadania, isto deveria ser o mínimo aceitável, mesmo porque na política, como na vida, somos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos, para lembrar as palavras célebres de Antoine de Saint-Exupéry, o autor preferido das mocinhas participantes daqueles concursos de beleza. Afinal, o fracasso de um governo é sempre órfão de pai, mãe e parteira; ao revés, o seu sucesso, se houvesse, seria congestionado de pais e mães a perder de vista. Governo desastrado carece de pai e mãe; amarga a solidão da orfandade.


E não deveria ser assim. Ora, o apoio político a uma candidatura deve ter consequências que deveriam transcender em muito um simples rompimento com o governo imerso em dificuldades várias. Claro, ninguém é obrigado a ficar acorrentado a uma canoa que ameaça afundar, mas, o rompimento deve ser explicado corretamente aos eleitores induzidos a erro. Mesmo porque, a despeito de não admitir, o governo que se formou, com seus ônus e bônus, traz no DNA um pouco de todas as lideranças e partidos políticos que se coligaram para elegê-lo. Pular fora do barco sem maiores explicações, a não ser a de fracasso do governo em si, é sempre pouco. Neste pormenor, igualmente vale a lembrança do já citado Saint-Exupéry: "Aqueles que passam por nós não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós." Assim deveria ser, também, na política. Afinal, caldo de galinha e um pouco de coerência não fazem mal a ninguém.

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