domingo, 2 de fevereiro de 2014

Artigo de Paulo Afonso Linhares

EXTORSÃO OFICIAL

Paulo Afonso Linhares 

Para o filósofo Voltaire, "o último degrau da perversidade é fazer com que as leis sirvam à injustiça". Infelizmente, o cotidiano da sociedade brasileira tem mostrado uma tendência casa vez mais presente de se impor obrigações  fiscais e sanções descabidas ao cidadão contribuinte. Na esfera estatal, as casas legislativas - seja o Congresso Nacional ou simples Câmaras Municipais - têm sido pródigas em instituir novos tributos ou simplesmente majorar suas alíquotas, mecanismos eficazes para drenar cada vez mais recursos financeiros para os cofres públicos, impondo-se excessivas obrigações às pessoas e instituições privadas, quebrando por completo a noção de Justiça Tributária, sem qualquer pejo substituída por formas de extorsão oficial. A lei é usada como elemento para "tosquiar" financeiramente o cidadão, num distanciamento abissal entre o legal e o que razoavelmente possa ser considerado como legítimo. Enfim, uma perversidade contra o cidadão acobertada pela soberania (interna) estatal, no exercício do "jus imperium".

Ora, um exemplo dessa tendência malsã e contrária ao cidadão foi mais uma correção da tabela do Imposto de Renda abaixo da inflação, ocorrida recentemente. Com efeito, para o exercício de 2014, de acordo com os burocratas de Brasília a correção dessa tabela ficará em 4,5%, que é o centro da meta da inflação estabelecida pelo governo federal, segundo  o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), embora as projeções de analistas de instituições financeiras  para a inflação medida também pelo IPCA seja de 5,75%.  O absurdo dessa história é que a tabela do IR já vinha sendo corrigida pelo percentual fixo de 4,5% desde 2007, porém, com previsão para acabar com a utilização desse índice em 2010. Entretanto, no início de 2011, através da Medida Provisória 528, o governo resolveu estender a aplicação desse percentual até 2014.
Aliás, essa defasagem entre a tabela do Imposto de Renda e a inflação pode chegar a 62% até o final de ano,  consoante estimativas do próprio Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil.

A consequência dessa correção da tabela abaixo da inflação foi a incorporação de milhares de trabalhadores ao rol dos  contribuintes do Imposto de Renda, embora desprovidos por completo daquilo que a Constituição, no parágrafo primeiro do seu art. 145, denomina como "capacidade contributiva" ("Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte"). Para se ter uma ideia da gravidade disso, basta ver que, em 1996, quem ganhava até nove salários mínimos era isento de pagar Imposto de Renda.  Por outro lado, neste ano de 2014, quem ganha acima de 2,5 salários mínimos (um pouco acima de R$ 1.700,00) vai pagar esse tributo, o que não deixa de ser uma enorme injustiça contra os trabalhadores brasileiros -  sobretudo, aquelas pessoas que efetivamente não têm condições econômicas de contribuir para o Imposto de Renda - o que, infelizmente, não sensibiliza nem um pouco os políticos e burocratas de Brasília.

Ainda para ficar no universo tributário, basta ver a enorme gritaria dos contribuintes com a autêntica extorsão que se faz, nas grandes cidades brasileiras, com a  cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU),  além da taxa do lixo agregada e da absurda taxa de esgoto, está cobrada na conta da água. Outro absurdo é o caso das lombadas eletrônicas das vias públicas: a baixa velocidade exigida facilita o descumprimento por parte dos condutores de veículos, surpreendidos por esses aparatos que não passam de reles caça-níqueis. Se ao menos parte dos recursos arrecadados com as multas servisse para financiar a educação no trânsito, justificaria a cobrança, todavia, o trágico é que o enorme volume de recursos arrecadados com as lombadas eletrônicas serve para agravar o quadro já de há muito epidêmico da corrupção. Mais uma vez o  furor burocrático de extrair do cidadão todo o dinheiro possível, nem que para isto tenha de pisotear a ética e o bom senso. Triste trópico.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários críticos sem identificação não serão aceitos.