QUEBRADORES
DE OSSOS E DE ALMAS
Paulo Afonso Linhares
Uma das figura mais singulares da geografia humana de
Mossoró,
Paulo da Costa Carvalho, mais conhecido como "Paulo Bedéu", graduado servidor do Poder
Judiciário,
ao perceber a movimentação de um jovem advogado para apresentação, em juízo, de réu acusado de homicídio na localidade. Acercando-se do
causídico,
o irreverente Paulo Bedéu
indagou: "Doutor, você trouxe
a chibanca?" Surpreso, redarguiu o jovem advogado: " P'ra quê, Paulo?". "Ora, p'ra desenterrar
e quebrar os ossos da vítima!".
Posto que aparentasse elogio à atuação eficiente do advogado do réu, não deixava de transparecer fina ironia naquela indagação, em desfavor de qualquer ideia de
justiça.
Recentemente, vendo
o tratamento que a imprensa conservadora e até ministros do Supremo
Tribunal Federal têm
dado ao episódio
dos réus
do chamado "núcleo
político"
do Mensalão,
notadamente Zé Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares, que desencadearam uma
campanha de doação
de recursos, na Internet, para pagamento
das pesadas multas que lhes foram aplicadas como penas acessórias na famosa Ação Penal nº 470 ( Processo do Mensalão), veio à mente
aquela imagem da chibanca de quebrar ossos invocada pelo irrequieto e desabrido
Paulo Bedéu.
Sem embargo, a despeito da pirotecnia
verbal do relator do processo, Ministro Joaquim Barbosa, fato é que ambos jamais teriam condições de arcar com tão pesados ônus. A surpresa foi uma avalanche de dinheiro depositado em
favor de Genoíno
e Delúbio,
cujos valores ultrapassaram em muito as multas superiores a R$ 600 mil e R$ 400
mil reais, respectivamente, impostas a ambos. Tanto dinheiro receberam de uma
população
que repudia o ativismo judicial reinante no STF, que até decidiram, com as sobras, dar uma mãozinha a Zé Dirceu, este às voltas com uma pena de multa que supera um milhão de reais.
Estranha foi a reação de setores da imprensa e do ministro Gilmar Mendes, que
lançaram
sombras acerca da origem das doações. O ministro Mendes até sugeriu uma rigorosa
apuração
por parte do Ministério
Público,
para investigar se aqueles recursos não seriam originários de lavagem de dinheiro e outros delitos mais. Com efeito, passou a incomodar profundamente aos
grupos conservadores a constatação de que parcelas significativas da população passaram a demonstrar sua insatisfação com algumas decisões do STF, no processo do Mensalão, literalmente bancando a quitação das multas exorbitantes impostas
aos condenados do "núcleo
político"
da AP nº 470, mesmo porque nem Genoíno nem Delúbio, ademais de Zé Dirceu,
jamais teriam condições
financeiras para arcar com tão pesados encargos;
em suma, foram multas aplicadas para jamais serem pagas, com inegáveis e duradouros transtornos para as
vidas desses apenados. Algo assim bem sórdido, sem dúvida, mormente porque na justiça as decisões são consumativas e o que prevalece mesmo é um simulacro de verdade, a chamada "verdade
formal".
As pessoas que resolveram remeter recursos para Delúbio e Genoíno
reagiram à altura das aleivosias irrogadas pelo ministro Gilmar
Mendes, a exemplo de Celso Antônio de Mello, um dos mais respeitados juristas
brasileiros e professor Emérito da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP), disse que são
“escandalosas” as declarações do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar
Mendes sobre suspeita de lavagem de dinheiro nas doações feitas a petistas condenados na AP 470: “Faz acusações sem provas. Ele irroga a terceiros a prática de um crime
sem indícios e isso, vindo de um ministro da Suprema Corte, é escandaloso”, disse, segundo
a Folha de S. Paulo (...) “Como doador, me
senti ofendido, porque Gilmar Mendes lançou publicamente
uma suspeita sem provas e fui atingido por ela. Estou chocado”. O jurista Celso Antonio Bandeira de
Mello, aliás, doou R$ 10 mil
para ajudar José Genoino a pagar multa de R$ 667,5 mil imposta pelo STF.
A estranheza do renomado jurista Celso Antonio Bandeira de Mello, neste caso, não é isolada nem incomum, pois denota que parcela ponderável da população brasileira repudia o modus
como se deu o processo e julgamento do Mensalão. Claro que muita gente apoiou e apoia a ação do "justiceiro" ministro
Barbosa e seus pares, que desceram a chibata da lei sobre as costas de pessoas
que nada tinham com aquele indigesto angu, mas, deveriam purgar o
"pecado" de participar do projeto que levou à magistratura suprema da nação um torneiro mecânico nordestino. Aliás, sobretudo a Zé Dirceu,
condenado a cumprir pena no regime semi-aberto, o juiz da execução criminal tem negado direitos
comezinhos aos presidiários
submetidos a esse regime, em especial a
possibilidade de trabalho externo ( o
apenado trabalha fora do estabelecimento prisional durante o dia e a ele se
recolhe à noite). Os espíritos conservadores que comandam os veículos de comunicação e a máquina judiciária, ao que parece, não apenas querem punir "exemplarmente" Dirceu,
Genoíno
e Delúbio,
mas, quebrar-lhes os ossos e, quem sabe, esmigalhar-lhes as almas.
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