A AMEAÇA DA PLUTOCRACIA
Paulo Afonso Linhares
Até as pedras, do Oiapoque ao Chuí, sabem que a reforma política é inadiável e urgentíssima; todas as forças presentes no tabuleiro da política brasileira consensualmente desejam, em variadas gradações, a realização dessa reforma. Contudo, inevitavelmente as divergências afloram quando se trata da qualidade e aprofundamento das mudanças que se pretendem implementar nos sistemas eleitoral e partidário, com reflexos importantes na própria feição do Estado brasileiro estampada na vigente Constituição da República.
Aliás, ressalte-se que o constituinte de 1988, a despeito da generosidade com que traçou o elenco de direitos fundamentais e garantias de cunho individual, coletivo e metaindividual, nas dimensões das chamadas liberdades civis, dos direitos sociais e econômicos, foi muito tímido e não menos reticente quando desenhou as grandes linhas do (então) novo perfil político-institucional do Brasil, com prevalência do figurino mais conservador e pouco democrático, para evidenciar a hegemonia da elite política em detrimento do conjunto da sociedade civil, como se esta fosse incapaz de estabelecer as balizas institucionais dos mecanismos de legitimação do poder político. Já no século XVIII, o Barão de Montesquieu ponderava que “[...] O povo é admirável para escolher aqueles a quem deve confiar parte de sua autoridade (...) Mas saberá ele conduzir um assunto, conhecer os lugares, ocasiões e momentos mais favoráveis para resolvê-lo? Não: não saberá” (Montesquieu, O espírito das leis, 1748). Esse viés elitista lastimavelmente prevaleceu no processo constituinte de 1988.
Assim, o avanço enorme de ter instituído um regime político híbrido em que alia a democracia representativa (ou indireta), como regra geral, a elementos da democracia participativa (direta e semidireta) previstos no art. 14, incisos I a III, da Constituição Federal, esbarrou nas (inviabilizantes) exigências constitucionais e legais para realização de plebiscitos, referendos e iniciativas populares de projeto de lei. Muitas outras distorções, todavia, permeiam esse sistema político, a começar pele proliferação de partidos políticos (hoje são 28 organizações partidárias), pela manutenção de um frágil sistema de voto proporcional nas eleições parlamentares (à exceção das eleições para o Senado Federal, que são pelo sistema majoritário), a ausência de mecanismos capazes de coibir os abusos do poder econômico e político nas eleições, sobretudo, consubstanciados nos financiamentos de campanhas eleitorais e de partidos políticos por empresa ou pessoas físicas privadas, que terminam por substituir a democracia por um regime meramente plutocrático, ou seja, a expressão da hegemonia política dos detentores do capital financeiro.
Neste momento em que a necessidade de se realizar a reforma política se tornou consensual, é vital entender que dois projetos antagônicos prevalecem: a) o projeto de cariz conservador centrado no financiamento privado de partidos políticos e campanha eleitorais, o que enfatiza o caráter plutocrático já referido, ademais de uma menor intervenção nos negócios partidários e mesmo nos processos eleitorais, inclusive com a introdução do voto facultativo; e, b) o projeto encampado por amplos segmentos da sociedade civil organizada que tem como pedra de toque o financiamento público das atividades partidárias e eleitorais, a manutenção do voto obrigatório e a manutenção de um rígido controle estatal das eleições e das atividades partidárias, embora mantida a natureza jurídica de pessoa jurídica de direito privado para o partido político.
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