AGENDA DE RETROCESSOS
Paulo Afonso Linhares
A Câmara dos Deputados é, sempre foi e será por muito tempo ainda, a grande caixa de ressonância política da nação brasileira, em especial para aqueles que têm no Senado Federal uma típica inutilidade institucional, uma deformidade de um Poder Executivo com fortes traços de potestade imperial e um Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário, cuja tecitura orgânico-funcional é anacrônica e, sobretudo, destoa do conceito contemporâneo daquilo que se entende por “corte constitucional”. Assim, os três poderes da República padecem de males congênitos, salvo uma parte de um deles: a Câmara dos Deputados que, nos quase dois séculos de implantação do Estado brasileiro (em 1822), tem cumprido importante papel, mesmo naqueles momentos de euforia autoritária em que a democracia jazia obnubilada.
Aliás, tudo decorrente do “pecado original” que foi a cópia mal-ajambrada das instituições jurídico-políticas norte-americanas feita, no texto da Constituição de 1981, por Ruy Barbosa e outros próceres republicanos, nos albores da nova ordem implantada com o fim da monarquia tupiniquim. Certamente alguns não leram e quem leu não conseguiu entender bem o magnum opus de Alexis de Tocqueville, “Da Democracia na América”, cuja edição brasileira somente veio a lume em 1899. Em especial, leituras enviesadas do Brasil e do seu projeto de nação. Daí que as instituições nasceram embaralhadas e assim permanecem até hoje.
Embora não padeça de males congênitos, a Câmara dos Deputados acumula vícios institucionais típicos do seu deficiente amadurecimento e mesmo da democracia brasileira, cuja base é o regime representativo e suas crises permanentes e insolúveis de ilegitimidade. Contudo, a despeito de impopularidade de que as instituições parlamentares são alvo, o que já se tornou tradição no Brasil, a contabilidade da Câmara dos Deputados é favorável. E isto muito em função de algumas figuras políticas importantes que a presidiram desde a sua fundação, em maio de 1826 até os dias atuais onde, numa amostragem ligeira e bem apurada, podem ser destacados os nomes do pernambucano Pedro de Araújo Lima, marquês de Olinda (1827-1828), do baiano José da Costa Carvalho, marquês de Monte Alegre (1828, 1830-1831) ou do mineiro Martim Francisco Ribeiro de Andrada (1831), mais antigos, além de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (1933/37), Nereu de Oliveira Ramos (1951/55) ou o gaúcho José Antônio Flores da Cunha (1955/56). No destaque maior, o grande presidente da Casa foi o advogado paulista Ulysses Guimarães, que a dirigiu por dois períodos (1956/58 e 1985/89) e se tornou um símbolo dessa instituição representativa brasileira.
Certo é que, após o término do último mandato do “Dr. Ulysses”, como era carinhosamente conhecido o deputado paulista que cumpriu 11 mandatos ininterruptos, nenhum dos presidentes que se seguiram ultrapassou o seu carisma e prestígio político. Contudo, vinte e seis anos depois, eis que desponta nos horizontes do Planalto Central um presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que, embora não se equipare nem à sombra de Ulysses Guimarães, vem causando alvoroços e inquietações no mundo político, a começar pela atual inquilina do Palácio da Alvorada, a presidente Dilma Rousseff, com quem ruidosamente rompera politicamente.
O deputado Eduardo Cunha segue fielmente aquele preceito cultivado por alguns famosos da política e do mundo artístico e imortalizado na canção homônima de Ataulfo Alves: “falem mal, mas, falem de mim”. E não apenas isto: tem arranjado arengas com meio mundo a partir da imposição, como pauta da Câmara dos Deputados, de uma agenda substancialmente conservadora como há muito não se via. Uma agenda de retrocessos de toda ordem. Demonstrando um enorme senso de oportunismo e até de esperteza política, Cunha trouxe à luz temas polêmicos como a redução da maioridade penal, a financiamento privado de partidos políticos e campanhas eleitorais, o fim do exame da OAB e o controle dessa entidade pelo Tribunal de Contas da União etc. Quase todas as polêmicas parlamentares que o envolvem, denotam a ânsia que tem Cunha de se transformar na grande liderança conservadora do momento, em contrafação direta aos petistas Lula e Dilma.
Cunha cisma e tira fogo nas calçadas de Brasília a riscos de faca-peixeira. Para extravasar a medida do razoável, está sob acusação, na “Operação Lava-Jato”, de ter peitado a empreiteiro da Petrobrás uma propinazinha de 5 milhões de dólares... Indignado com a “injustiça” tem distribuído sopapos verbais a torto e a direito, como se dizia antigamente. E se não for parado pela pena corrosiva do juiz Moro, causará muitas tribulações e desassossegos, ainda, o evangélico e conservador Eduardo Cunha. A conferir.
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