Do STJ
Uma mulher vítima de erro médico, que resultou em danos estéticos, vai ser indenizada, com fundamento no artigo 1.538, parágrafo 2º, do Código Civil de 1916, por meio de uma espécie de “dote”, a ser pago pelo médico e pelo hospital. A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou o acórdão recorrido quanto à possibilidade de condenação ao pagamento de tal indenização. O relator do recurso é o ministro Antonio Carlos Ferreira.
Tal artigo refletia o pensamento da época, segundo o qual a mulher deveria se casar e formar família, e estabelecia, na hipótese de defeitos e lesões físicas sofridas por “mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar”, uma indenização por dano moral.
O fato ocorreu em 1983. A paciente, diagnosticada com hemangioma labial, tinha 19 anos à época do tratamento. O erro, as falhas e as omissões no pós-operatório produziram deformidades em razão de necrose e deixaram sequelas na língua, lábios, nariz, face, queixo e pescoço.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), entre valores a título de compensação por danos materiais, morais e estéticos, fixou indenização de R$ 150 mil com base no artigo 1.538, parágrafo 2º, do CC/16. Disse que a mulher, apesar de ter se casado, veio posteriormente a se separar, “presumivelmente em decorrência das sequelas físicas, além das psicológicas, não podendo lhe ser dispensado menor reconhecimento de direito do que o concedido a uma viúva”.
O médico, então, recorreu ao STJ, sustentando que a paciente não havia pedido a condenação dele e do hospital ao pagamento do dote previsto no artigo 1.538, parágrafo 2º, do CC/16, sendo nula essa parte da decisão do TJSP. Disse, ainda, que a mulher casou-se antes de receber qualquer indenização.
Dano estético
Ao analisar a questão, o ministro Antonio Carlos Ferreira constatou que a vítima do erro médico faz menção em seu pedido inicial ao dano estético previsto no artigo 1.538 do CC/16. Ela fala também do dano moral em função da “dor, angústia, aflição física ou espiritual e a humilhação” sofridos. Assim, não houve condenação extra petita (além do pedido).
O ministro entende que a indenização relativa ao dote, na verdade, trata da reparação de danos morais e/ou estéticos, vinculados, especificamente, à hipotética maior dificuldade de a mulher vir a se casar, segundo valores e costumes da época, retratados no Código Civil de 1916. “Observe-se que, embora não se falasse, expressamente, em danos morais ou estéticos, o diploma civil de 1916, em decorrência da cultura daquele tempo, impunha indenização para a hipótese legal referida”, explicou o magistrado.
O relator esclareceu que, ao reduzir a indenização de R$ 2,5 milhões por danos estéticos e morais fixada na sentença, o TJSP desmembrou-a em duas parcelas: uma de R$ 150 mil a título do dote (artigo 1.538, parágrafo 2º, do CC/16) e outra de R$ 70 mil como compensação pelos “outros danos morais” (artigo 159 do CC/16).
Para o ministro, o fato de a mulher ter se casado e se separado posteriormente não exclui a aplicação da norma que prevê a indenização em razão do abalo psicológico sofrido pela existência de sequelas físicas.
Lucros cessantes
Em outro ponto, a Quarta Turma atendeu ao recurso para afastar a condenação por lucros cessantes. O TJSP havia levado em conta que, à época, a paciente se preparava para o vestibular, e que o erro médico frustrou sua carreira. Todavia, o ministro Antonio Carlos destacou que não se pode fixar lucros cessantes com base em “danos meramente remotos, hipotéticos”, vinculados a um sucesso profissional em uma carreira em que a estudante nem sequer havia ingressado.
O ministro ainda observou que a redução da capacidade laboral da paciente tem relação com a pensão mensal também arbitrada no TJSP e confirmada pelo STJ.
O número do processo foi omitido para preservar a intimidade da parte.
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