Paulo Afonso Linhares
Um dos elementos que compõem a vida social é o poder. Todavia, o que é isto? São bem simples as definições teóricas desse fenômeno extremamente complexo: o sociólogo Max Weber (1991, p.33) entende que “poder significa toda probabilidade de impor a vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”. Em conceituações mais atuais, poder é entendido como “a relação entre dois sujeitos, dos quais o primeiro obtém do segundo um comportamento que, em caso contrário não ocorreria”, segundo John Dahl, conceito este que parte da negação a exemplo, também, da concepção de Renato Monseff Perissinoto em texto publicado na Revista de Sociologia e Política, nº 20, 2003: “O poder de ‘A’ implica a não liberdade de ‘B’; a liberdade de ‘A’ implica o não poder de ‘B’ ”).
Para Norberto Bobbio (2000, p.221), há uma tricotomização do poder: o poder econômico; o poder ideológico; e o poder político, que traduz de modo mais nítido esse fenômeno, inclusive, por albergar a possibilidade do uso da força e da violência para ser concretizado. Quando compõe a formação do Estado, o poder político é exercido tanto de modo unitário, em que enfeixa várias funções, o que é comum nas autocracias, ou disseminado organicamente em contexto de compartição de competências funcionais - executivas, legislativas e judiciárias - por agentes distintos.
No modelo sistematizado genialmente pelo Barão de Montesquieu, o poder político do Estado se aloja de em três esferas - executivo, legislativo e judiciário -, são autônomos (jamais soberanos!), porém, devem funcionar harmonicamente, o que implica distribuição de competências, cooperação e controles mútuos, como elementos de legitimação e efetividade. Ressalte-se que cada Estado tem, na sua constituição, um desenho peculiar desses poderes-funções em que a distribuição de competências e atribuições seja balanceada, justo para evitar que um deles possa sobrepor-se aos outros.
Na prática, todavia, é quase inevitável a ocorrência de eventos que traduzem quebras da harmonia entre poderes, o que exige a atuação de mecanismos institucionais políticos-normativos capazes de impor as correções necessárias ao funcionamento normal do aparelho de Estado. É bem certo, aliás, que muitas vezes o desbalanceamento entre poderes pode residir na origem constitucional, o que é mais grave e difícil de ser superado.
A hipertrofia de um poder, caracterizada por excessivo acúmulo de competências, é um fenômeno que leva a crises institucionais que, tornadas insuperáveis pela incapacidade de atuação desses mecanismos políticos-normativos, pode desagregar toda a estrutura estatal e propiciar indesejáveis efeitos, sendo o mais grave aquele que descamba em rompimento da ordem constitucional, em especial quando o conflito se localiza no núcleo central do poder federativo, que é a União Federal. Nas unidades federadas, sobretudo naquelas de segundo grau, - os Estados-Membros e o Distrito Federal -, à míngua de decisão política o conflito entre poderes poderá ser composto pela via pretoriana, principalmente quando a solução é dada por órgão judicante de esfera federativa superior.
Com efeito, um dos conflitos entre poderes que mais ocorrem no Brasil, no âmbito dos Estados-Membros e Distrito Federal, decorre da inobservância da regra do artigo 168 da Constituição Federal, pelo Poder Executivo (“Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º.”), principalmente, nesta quadra da vida político-institucional brasileira em que se tem presente uma das maiores crises fiscais da história republicana e que literalmente devastou as finanças de alguns Estados-Membros e Municípios brasileiros, a exemplo do Estado do Rio Grande do Norte.
Nos últimos quatro anos, no período que abrange o final do governo Rosalba Ciarlini e, até agora, o governo Robinson Faria, o Rio Grande do Norte, a despeito da manutenção do ritmo positivo na arrecadação tributária própria, teve perdas severas na receita do Fundo de Participação dos Estado (FPE). Isso, certamente aliado a erros de gestão nesses governos, resultou em graves desarranjos financeiros que tem impedindo ao governo Robinson Faria e cumprir o básico do mais básico na gestão administrativa estadual nas áreas da educação, saúde, segurança, além de outras, inclusive, com a inadimplência tocante às remunerações de seus servidores ativos, inativos e pensionistas, com atrasos que já beiram três meses. Ainda, ressalte-se que o Executivo estadual, a partir de 2012, passou literalmente a ‘torrar’ o patrimônio do Fundo Financeiro do regime próprio de previdência dos servidores estaduais geridos por sua autarquia, o IPERN, em valores que ultrapassam os 800 milhões de reais, no pagamento de folhas de seus servidores.
Curiosamente, o governo do Rio Grande do Norte manteve, até meados do segundo trimestre de 2017, manteve as entregas do recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, no prazo e na forma duodecimal previstos no citado artigo 168, da Constituição. Por haver razoável acúmulo de sobras financeiras do exercício financeiro anterior(2016) no Judiciário, Legislativo e Ministério Público, o Executivo resolveu não fazer os repasses duodecimais a partir de abril de 2017, já que esses recursos deveriam retornar ao caixa do Tesouro estadual ou ser objeto de compensação nas parcelas do exercício seguinte.
Em 2017, o orçamento do Estado do Rio Grande do Norte foi estimado em R$ 12 bilhões e 320 milhões. A frustração de receitas, sobretudo, aquelas oriundas do Fundo de Participação dos Estados ultrapassou os R$ 400 milhões. Segundo o Portal da Transparência, houve um fluxo de recursos do Poder Executivo para o Poder Judiciário (R$ 608.804.951,55), Poder Legislativo (R$ 273.565.170,10), Ministério Público (R$ 254.886.589,04), Tribunal de Contas (R$ 60.348.211,39) e Defensoria Pública (R$ 20.726.641,22), num total de R$. 1.218.331.563,30, o equivalente a mais de 10% do orçamento de 2017!
Apesar disso, o Executivo potiguar resolveu fazer uma “compensação” a seu modo, das sobras financeiras dos repasses duodecimais de 2016. Como reza dito popular, “aí é que o bicho pega”! Ora, atraso de remunerações de servidores ativos, inativos e pensionistas, na esfera do Governo estadual, mesmo o chorado dinheirinho do “velhinhos sem saúde e viúvas sem porvir”, pouco importou até agora.
O não repasse dessas parcelas duodecimais aos Poderes e órgãos autônomos, contudo, tem causado enormes abalos institucionais, sobretudo, com a ‘judicialização’ pelo Ministério Público de demanda (um mandado de segurança), que liminarmente foi acolhida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte determinando o pagamento dessas parcelas vencidas e vincendas, sob pena de pesadas multas aplicáveis às pessoas do governador e de secretários estaduais. Complicou. Faltou diálogo em moldes republicanos. Seria exigir demais?
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