segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Artigo de Paulo Afonso Linhares

AS  INCÓGNITAS DE CADA DIA

Paulo Afonso Linhares

É bem certo que a palavra “incógnita” não deveria compor o título de um texto destinado ao grande público, sobretudo, aquele diariamente ‘arranchado’ no chão instável das redes sociais. Todavia, vai ela mesma à míngua de qualquer outra capaz da expressar a enorme expectativa que causam as eleições de 2018, nestes dez meses de sua realização. A expectativa, neste caso, é traduzida em diversos impactos causados por mudanças legislativas, em especial a proibição de financiamento de campanhas ou candidatos por empresas privadas, além do comprometimento dos maiores partidos políticos e suas principais lideranças em processos judiciais em que são apurados graves casos de corrupção, como na Operação Lava Jato, Operação Zelotes etc., cujas condenações poderão impedir a participação no processo eleitoral, como candidatos, de expressivas figuras da política brasileira.

Essas incógnitas impõem dificuldades em se traçar previsões acerca das próximas eleições (quase) gerais deste 2018. Os diversos ‘pontos cegos’ levam a incertezas e, por conseguinte, a insegurança jurídica e, ainda, alimenta uma forte desconfiança do mercado, o que não deixa de aprofundar a aguda crise econômica e fiscal que se abate duramente sobre o Brasil. O mais grave é que não se pode vislumbrar, desde agora, como caminhará o novo governo central a partir de 2018, que forças estarão hegemonizando o poder federal, a presidência da República, a partir de 1º de janeiro de 2019. No movediço cenário politico brasileiro atual, nem os mais hábeis videntes arriscam um palpite: tudo pode ocorrer, a eleição de uma figurinha carimbada da política ou alguém que nunca militou na política, mas, noutras atividades, os chamados outsiders.

De um ou de outro modo, como no belo filme de Fellini, e la Nave va. A sociedade brasileira há de transpor todos os obstáculos que ora atravancam a sua caminhada, sem se afastar dos marcos da democracia que balizam a Constituição de 1988. No processo de evolução das instituições jurídico-políticas são inevitáveis os solavancos na política, na economia, no direito e até no campo da ética, tudo como ‘fermento’ imprescindível ao processo evolutivo dos povos.

A superação desses óbices criam algo que, à falta de melhor definição, pôde-se chamar de “anticorpos sociais”, resultando num feixe de ricas interações dialéticas que se projetam e se incorporam no cotidiano das pessoas. Basta ver, exempli gratia, o perfil do sistema eleitoral que o Brasil tinha há cinco décadas e aquele que será posto a prova, mais uma vez, nas eleições de 2018. Outro exemplo de notável mudança social refere-se à  incapacidade relativa que traduzia os status civil e político da mulher brasileira, no começo dos anos 1960 e a posição que ela tem hoje na sociedade, fenômeno tão bem captado pelas lentes do pensador potiguar João Batista Cascudo Rodrigues, na sua monumental obra A mulher brasileira: direitos políticos e civis, edição de 2003, publicada pela Editora Projecto. Embora ainda deva superar graves problemas, como os corriqueiros casos de violência doméstica ou o tratamento desigual do trabalho feminino no mercado, além de outros, inegáveis os progressos das mulheres deste país.

É claro que numa conjuntura de crises múltiplas - ética, política e econômica -, como as que vive a sociedade brasileira, neste momento, as pessoas se abatem na medida em que perdem seus referenciais valorativos, mormente quando visivelmente percebem que “tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas,” tomando por empréstimo conhecida assertiva do filósofo Karl Marx.

Entretanto, esse preocupante esfumaçar de bem assentadas certezas não é o fim das coisas, mas, enquanto superação é apenas uma inevitável  passagem  ao estado de modernidade imediata, uma nova circunstância ‘leve’, ‘líquida’, ‘fluída’, ademais de veicular uma dinâmica bem superior àquela  que se esvaiu, como ensina  Zygmunt Bauman, na sua Modernidade líquida, de 1999. Apesar disto, é claro que pessoas sofrem, se desesperam e até se autodestroem, quando não compreendem que o sofrimento, o vexame, os desencontros, as dores, são igualmente despidas de definitividade, passam, também se esfumaçar. 

Por isto é que as incógnitas que rondam os processos históricos devem ser resolvidas à razão direta de suas aparições. Daí ser pouco importante, por exemplo, não ter claro quem será o presidente do Brasil a partir de janeiro de 2019. Fundamental é a certeza líquida, leve e fluída de que os agentes políticos eleitos para os diversos cargos executivos ou parlamentares, em 2018, terão haurido legitimidade na Soberania Popular prefigurada no artigo 14 da Constituição, sem atalhos profanos ou renitentes vícios que ecoam de um passado mal resolvido. Então, toca para frente. E para o alto.

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