DE PESADELOS E SOBRESSALTOS
Paulo Afonso Linhares
A despeito de toda a lógica, nas mentes das pessoas concretas remanescem sempre a esperança de que tudo pode ser diferente, bastando acreditar: às vezes sim, às vezes não, a depender de como os fatos e circunstâncias são encadeados. Daí que, nas coisas humanas, a incerteza tende a prevalecer e se faz uma definitiva alavanca para superação de vários obstáculos que atravancam a concretização das expectativas projetada
É nesse eterno jogo de luz e sombra, de dúvidas e certezas, aliás, de compleição dialética, que as mentes humanas, na busca de uma zona de conforto, constroem atalhos e encontram saídas para os problemas que as afligem. Claro, os enganos, nas escolhas, são também inevitáveis.
No mundo da política o figurino é o mesmo. Nos governos hauridos das urnas, qualquer que seja a sua orientação ideológica, emerge uma noção primária de que a legitimação conferida pelo corpo eleitoral autoriza aos ‘ungidos’ (equiparáveis a semi-deuses, de direita ou de esquerda, pouca importa) a fazer o quê ninguém imagina como apenas razoável.
A “entourage” do presidente eleito Jair Bolsonaro mostra isso. De princípio, bateu duro nos parceiros do Mercosul e na China, tudo seguindo a fórmula Donald Trump, que estraçalhou todo o esforço diplomático norte-americano na difícil relação com tradicionais parceiros europeus, orientais e os do conturbado mundo árabe. Um detalhe que alguns podem até achar de somenos: as costas de Trump são bem largas, presidente que é do Estado mais poderoso do planeta. O Brasil não pode nem precisa abrir tantas frentes de conflito, sobretudo, com tradicionais parceiros comerciais imprescindíveis para o agronegócio do Centro-Oeste (as exportações de soja para a China) e do Sul, Paraná e Santa Catarina em especial (carnes para os países árabes e China), aliás, colégios eleitorais onde Bolsonaro obteve resultados superiores a 60% do votos válidos.
Assim, parece inevitável que chacoalhar chineses e árabes poderá resultar em enormes prejuízos para esses setores do agronegócio brasileiro. O pior de tudo é que não há razões plausíveis para isso: tudo decorrente de posturas ideológicas bocós ultradireitistas que desprezam a assertiva de que países não têm amigos, mas, interesses. E quais são os interesses do Brasil neste momento: vender o mais possível para chineses e asiáticos em geral, árabes, russos, europeus e nossos ‘hermanos’ latino-americanos, neste caso, inclusive, cubanos e venezuelanos.
Claro que os Estados Unidos da América são parceiros estratégicos do Brasil. No entanto, deve-se recordar que foi ogeneral Ernesto presidente Geisel, penúltimo dos generais-presidentes da ditadura militar implantada em 1964 - governou de 1974 a 1979 -, que botou um ponto final na política de alinhamento automático com os norte-americanos, inclusive, com o rompimento do acordo de cooperação militar, pelo qual os EUA ofereciam ao Brasil armamentos e treinamento militar. Ressalte-se que esse rompimento do acordo militar EUA-Brasil inspirado na Guerra Fria dos anos 1950/1960, foi apenas um pretexto usado pelo hábil general-presidente e formatado pela competente equipe do Itamaraty, para camuflar o verdadeiro objetivo do governo brasileiro de então: a celebração do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, celebrado em 27 de junho de 1975, o que quebrou a supremacia no campo tecnológico-industrial do Tio Sam, em especial na utilização da energia nuclear.
Note-se que Geisel matou dois coelhos com uma só cajadada: possibilitou que o Brasil tivesse acesso à tecnologia nuclear, algo que o governo norte-americano fez tudo para impedir desde o início dos anos 1950, além de demonstrar que o Brasil tinha plena capacidade de buscar por si mesmo outros Estados parceiros nas suas relações bilaterais. A atitude de Geisel causou enormes abalos no relacionamento dos EUA com o Brasil, mas, preservou a soberania nacional e inaugurou a postura independente da política externa brasileira que chegou aos dias atuais. Esse bom exemplo do presidente Geisel, a despeito de desvestido da legitimidade da Soberania Popular, merece ser observado nos dias que correm. A quem interessar possa, vale lembrar que o velho general Geisel jamais bateria continência para outra bandeira que não fosse a auriverde flâmula do Brasil, nem tampouco o faria para um funcionário civil de terceiro escalão do governo norte-americano…
Por estes exemplo históricos importantes é que seguramente não nos cabe assumir brigas bobas de Donald Trump que implicam enormes prejuízos à combalida economia brasileira. No mais, o discurso de Bolsonaro e de seus filhos, ademais de alguns auxiliares, como os do futuro chanceler, podem causar estragos enormes na área internacional. Ainda bem que o general Mourão, vice-presidente eleito, tem demonstrado grande habilidade e parcimônia no trato com essas sensíveis questões da futura política exterior brasileira.
O futuro presidente Bolsonaro deve atentar que o Brasil tem uma das melhores diplomacias do mundo e que nada tem a ver com ideologias de ocasião. Na formulação inicial do ícone maior das relações exteriores do Brasil, o vetusto Barão do Rio Branco, reside a altaneira postura que, nas últImas décadas, tem pautado a condução da defesa dos interesses nacionais. E pelo belo legado de José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco.
Com efeito, tem-se aqui a convivência pacífica de povos que, noutras latitudes, se fazem inimigos mortais. Em nada o. Brasil ganha em assumir um ou outro lado, por exemplo, da disputa territorial entre judeus e palestinos. A quem pertence Jerusalém? Esta será sempre um questão que tem de ser decidida pela comunidade internacional em justa equidistância dos lados envolvidos na disputa.
No front internacional já começa uma dura reação aos arroubos de Bolsonaro. Em recente passagem por Buenos Aires, por ocasião da COP-24, o presidente francês, Emanuel Macron, foi incisivo em afirmar que a União Europeia não negocia com Estados que abandonem o Acordo de Paris (o Acordo de Paris é um tratado multilateral patrocinado pela ONU sobre a Mudança do Clima, que rege medidas de redução de emissão dióxido de carbono a partir de 2020. O acordo foi negociado durante a COP-21, em Paris e foi aprovado em 12 de dezembro de 2015.), a exemplo do que fizeram os EUA, na gestão Donald Trump e, pelo Brasil, deverá fazer o futuro governo de Jair (se acostumando) Bolsonaro. Uma coisa é certa: o doido do Trump pode encarar brigas desse porte, algo que não pode ser dito do tatibitate capitão Bolsonaro. Na dúvida, valha-nos o ‘sensato’ general Mourão, cada vez mais a demonstrar que, nas organizações militares como na vida mesma, hierarquia é posto…
Tomar partido nessa inglória disputa que remonta aos tempos das Cruzadas, não deixa de ser um enorme equívoco. O Brasil, nas suas relações com o mundo tem sido visceralmente plural e de respeito às escolhas internas das nações amigas. Daí que, qualquer orientação que vulnere essa postura de respeito à soberania dos Estados com os quais o Brasil mantém relações diplomáticas, hoje e amanhã, será um enorme e grave equívoco. É o que o futuro próximo revelará.
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