segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Artigo de Paulo Afonso Linhares

LONGE DO MONT PÈLERIN 
Paulo Afonso Linhares 
            
Quando cheguei ao mundo, ou tempos depois, devo ter recebido daquele mesmo “anjo torto”, que cochichou no ouvido do poeta Drummond, idêntico conselho para ser “gauche” na vida (“Quando nasci um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida”). Do francês, a palavra “gauche” (lê-se “gôx”)  corresponde  a "esquerdo (a)", no nosso idioma. De modo figurado, todavia, o termo pode ter a acepção de “acanhado” ou “inepto", para qualificar o ser como inadaptado ao meio em que vive e com o qual seria incapaz de interagir, enfim, um ser  avesso, "torto", à margem da realidade que o circunda. O poeta de Itabira entendeu o recado neste sentido, tanto que sua vasta e preciosa obra poética é perpassada por variações de “gauche” -  como esquerdo, torto, canhestro – para revelar a oposição entre o ser e a realidade externa, contradições sempre superadas de modos diversos por ele, no campo da poética.
            Sem os tantos petrechos de arte e engenho do vate mineiro, ative-me a uma leitura mais vulgarizada daquele “vai, Paulo! ser gauche na vida”. E acreditei que o tal anjo me remeteu a um dos polos daquela divisão simplória e maniqueísta do mundo da política (“A terminologia usual da linguagem política é estúpida. O que é esquerda e o que é direita? Por que Hitler é de 'direita' e Stalin, seu amigo e contemporâneo, de 'esquerda'? Quem é 'reacionário' e quem é 'progressista'?” indagava Ludwig von Mises, na obra “Intervencionismo, uma análise econômica”, de 1940), do mundo da política - o esquerdista - até porque, naqueles idos dos anos sessenta, a ditadura protofascista instaladas nestes arraiais tupiniquins, ser de esquerda, posto que perigoso, não era apenas chique, mas, inarredável.
           Claro, tudo começava com alguns livrinhos básicos, como “História da Riqueza do Homem”, do jornalista e escritor marxista norte-americano Leo Huberman (1903 - 1968), “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, do teórico alemão Friedrich Engels (1820 – 1895), para desaguar no tonitruoso “Manifesto Comunista” do mesmo Engels em parceria com o compatriota Karl Marx. A partir daí, iniciava-se uma vertiginosa viagem por várias obras teóricas do marxismo, inclusive “O Capital”, de leitura rançosa, além de suas diversas vulgatas, das do “renegado” Karl Kautski aos caudalosos escritos de Mao Tsé-Tung. Dos nacionais, imprescindível era ler Leôncio Basbaum (1907 - 1969), médico e historiador pernambucano, militante comunista e autor, entre outras, das obras “História sincera da República” (4 volumes), “O processo evolutivo da história”, “Alienação e humanismo” e o texto autobiográfico “Uma vida em seis tempos” (obra póstuma). Somente a leitura do livro de Huberman complementada por essas obras de Basbaum já era suficiente para “tanger” o neófito para as “rédeas do comunismo”, como afirmava um velho militante do saudoso “Partidão”.
            Depois de publicar artigo criticando o gigantismo do Estado brasileiro e os efeitos colateriais disto (“Glórias ao Leviatã”),  fui brindado com anátemas do tipo “liberal” ou, o que é pior, “neoliberal” ou coisa que o valha. Nada disto. Não cheguemos a tanto: jamais tive a intenção de galgar as escadas da bolorenta Société du Mont Pèlerin (em inglês, Mont Pelerin Society), que designa a organização internacional fundada em 1947, por inspiração do teórico austríaco Friedrich Hayek (que organizou uma conferência na localidade de Mont-Pèlerin, próxima à cidade Suíça de Montreux), cujos membros são reconhecidos intelectuais, economistas e políticos de diversos países, inclusive alguns ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, a exemplo de Gary Becker, James Buchanan, Milton Friedman, Douglass North e Ronald Coase, cujo desiderato é a promoção das ideias do liberalismo, seus valores e princípios, a partir do binômio livre mercado e a sociedade aberta. Os filósofos Karl Popper, Ludwig von Mises, e os economistas Friedrich Hayek e Milton Friedman, são as pilastras do ultraliberalismo defendido por centenas de divulgadores do ideários da Mont Pèlerin, no mundo inteiro.

            Embora sem comungar com a visão ultraconservadora dos membros da Mont Pèlerin, centrada nas ideias-forças do livre mercado e a sociedade aberta, parece indigesto, igualmente, o exagerado culto ao Estado onipotente, ubíquo e que tudo produz e cria, como contraditoriamente defendem, no Brasil, tanto aqueles que se situam tanto à esquerda quanto à direita do espectro político-ideológico. A verdade está, decerto, no encontro dessas vertentes atenuadas: o papel dinamizador do livre mercado na economia (base ou infraestrutura), aliado à ação do Estado na produção dos marcos regulatórios e na manutenção das instituições do sistema jurídico-político (superestrutura), para formar uma síntese racional e lógica, no pensamento e na práxis política, em torno da noção de República. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários críticos sem identificação não serão aceitos.