RUMO AO ATOLEIRO
Paulo Afonso Linhares
A atual conjuntura política brasileira, ademais dos enormes sobressaltos da economia, nestes dias de 2015, exige não apenas um agir cauteloso, mas, também, uma enorme capacidade antecipatória de certos fatos. Sim, passará melhor quem tiver o dom da adivinhação. Este cenário ganha fortes cores de dramaticidade quando se constatam uma ausência cada vez mais acentuada de lideranças políticas de projeção nacional e capazes de capitanear projetos de nação de maior envergadura, com o agravamento da situação pela ausência, também, dos partidos políticos que, lastimavelmente, não exercem os papéis que lhes competem.
A verdade é que grande parte das lideranças políticas mais expressivas, de todos os credos ideológicos, naturalmente desaparecidas nestas duas últimas décadas, não foram substituídas adequadamente. Acentua-se cada vez mais o déficit de lideranças que, aliado à fragilidade endêmica dos partidos políticos brasileiros, gera uma cortina cada vez mais densa de incerteza e insegurança. Ora, a continuidade de um sistema político é diretamente proporcional à sua capacidade de gerar quadros dirigentes tanto no seu aspecto de quantidade quanto, sobretudo, no de qualidade. Nos antigos sistemas dinásticos, como ocorreu na China, no Egito ou na Índia, o fim de uma dinastia esteve sempre vinculado à incapacidade de certo soberano de propiciar os elementos de sua sucessão, sobretudo, de gerar a personificação em carne e osso de seu sucessor.
Claro, os espaços vazios são automaticamente preenchidos na esfera política. A falta de aptidão para ocupar espaços políticos não impede a eclosão de líderes. Só que uma ocupação meramente burocrática e funcional do poder político não raro acarreta consequências funestas, principalmente quando olvidada a adoção de boas práticas de governo. Devido a um péssimo costume nacional – a eterna tendência de confundir o público com o privado – o político que assoma o poder bafejado pelo veredicto popular sente-se dono da coisa que é (essencialmente) pública, ou seja, na mais absoluta contramão daquela ideia de república (do latim: res + publica) construída ainda no mundo romano, há mais de vinte e cinco séculos, sintetizada na presença do interesse coletivo como valor social relevante.
De uma singela prefeitura municipal a um forte Estado-membro da federação brasileira, a noção que se tem é a de que pertencem à liderança cujo exercício do governo conquistou através do voto. E o governo quando passa a ser mera extensão dos negócios privados dos governantes, de seus familiares ou de seus acólitos partidários, muitas práticas viciadas e antirrepublicanas aparecem com enorme força, sobretudo, um terreno fertilíssimo para o surgimento de múltiplas formas de corrupção, aliás, com uma capacidade de avassaladoramente contaminar organismos estatais inteiros, como lastimavelmente vemos ocorrer em todos os quadrantes deste país nos últimos cinco séculos da “civilização” luso-brasileira.
Melancólica é a constatação de que as mudanças ditas “superestruturais”, relativamente às instituições jurídico-políticas, não se fazem assim de modo tão simples, principalmente se se referem às modificações que devam ser feitas no próprio texto da Constituição Federal, que naturalmente abriga uma série de mecanismo que dão variados graus de rigidez às suas disposições, chegado, inclusive, a uma vedação absoluta de qualquer mudança em determinados institutos, como é o caso das chamadas cláusulas pétreas (aquelas inseridas na Constituição brasileira vigente em seu artigo 60, § 4º: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais).
As mudanças imprescindíveis para que o país possa superar certos gargalos dependem, pois, de penosas negociações que envolvem atores políticos que situam os seus interesses individuais e/ou de grupo acima dos interesses da coletividade. A consequência mais visível é a ausência de respostas eficazes aos desafios que a conjuntura oferece, inclusive, acarretando uma crescente perda de substâncias de algumas importantes instituições republicanas, a exemplo dos partidos políticos, cuja pulverização decorrente de regras frouxas quanto à sua criação e funcionamento, torna-os cada vez menos influentes politicamente. E certamente sairão bem mais frágeis da tal “reforma política”, cujo objetivo já consabido é deixar-tudo-como-está-para-ver-como-é-que-fica.
Sem partidos fortes, política e ideologicamente bem definidos em torno de respectivos projetos de nação – que até compensariam a ausência de lideranças políticas individuais - podem ser cada vez mais sombrios os horizontes da política brasileira. O modo dessintonizado e desarmônico de como os três poderes da República agem entre si, não deixa dúvidas de que um enorme atoleiro institucional poderá ser o destino da sociedade brasileira nos próximos anos. Sem os exageros do pessimismo. Adelante.
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