sábado, 6 de abril de 2019

Artigo de Paulo Afonso Linhares

O SAMBA DO ARNESTO

Paulo Afonso Linhares


“O Arnesto nos convidô prum samba, ele mora no Brás/ Nóis fumo e não encontremos ninguém/ Nóis vortemo cuma baita duma reiva/ Da outra veiz nóis num vai mais/ Nóis não semos tatu!” Estes versos de Adoniran Barbosa, remetem a uma reflexão sobre os fatores que fizeram Ernesto Fonseca de Araújo, um maluco nada beleza, assumir o comando do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, no governo Bolsonaro. Diplomata de carreira, Araújo foi sempre tido por seus pares como uma figura exótica, sobretudo, por suas atitudes contraditórias que vão da aceitação de desmedida de posturas ultra direitistas à defesa de Dilma Rousseff, não na condição de presidente da República, mas, na sua atuação de combatente contra a ditadura militar de 1964. E neste caso, para manter uma sinecura na embaixada brasileira em Washington.
Mesmo alçado ao posto máximo da carreira diplomática - o de embaixador - Araújo jamais comandou os interesses do Brasil no exterior, sobretudo, as legações situadas em países mais importantes: o famoso “circuito Elisabeth Arden” (Washington-Londres-ParisRoma). Nem pensar: seria complicadíssimo que Ernesto viesse representar o Brasil, na condição de embaixador, até de  postos diplomáticos brasileiras menos glamourosos mantidos noutros países.
Eleito presidente, Bolsonaro quis mimar o círculo mais empedernidamente crescente do seu ideário direitista no governo, sob os auspícios da “nova política”. Para tanto, escolheu dois dos discípulos do malcriado astrólogo Olavo de Carvalho como ministros de pastas importantes: Ernesto Araújo, para as Relações Exteriores, e o colombiano Ricardo Vélez, para o Ministério da Educação. Essas escolhas causaram não apenas enorme espanto, mas, se transformaram  em fontes de  graves e intermináveis crises políticas. 
Aliás, isto sem falar que o cenário da política brasileira se tornou mais carregado com a desnecessária desavença aberta pelo próprio Bolsonaro contra o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, onde tem rolado um forte estresse, com farpas duríssimas de lado a lado. Um verdadeiro ninho de canção, onde ninguém se entende. 
No plano externo, passado o triste episódio do beija-mão que Bolsonaro fez com Donald Trump, o próximo destino do presidente brasileiro será Israel. É previsível um rosário de gafes e, sobretudo, o recrudescimento de uma séria crise diplomática com os países de Liga Árabe que poderá trazer prejuízos econômicos imponderáveis para o agronegócio do Brasil. O presidente e seu ministro das relações exteriores resolveram literalmente “cutucar o cão com vara curta”. Primeiro, quando dão à política exterior brasileira um forte marcador ideológico, na medida em que são nossos parceiros preferenciais aqueles países que, atualmente, têm governo de direita ou de extrema direita. Errado os interesses comerciais e de cooperação em diversos domínios devem balizar as relações internacionais. Segundo, por desprezar parceiros comerciais importantíssimos como os endinheirados países árabes e a grande potência econômica mundial que é a China. No atual momento difícil por que passa a economia brasileira, essa postura pode ser tida, no mínimo, irresponsável, equivocada e contrária aos interesses nacionais. Imitar Trump na condução da política externa brasileira é uma estupidez sem tamanho.
O ministro Ernesto Araújo, superou todas as expectativas ao afirmar, recentemente, que em 31 de março de 1964 não houve um golpe militar, que não considera que tenha havido um "golpe" no país em 1964. Segundo ele, o que houve na ocasião foi um "movimento necessário" para que o país não se tornasse uma "ditadura", declaração de Araújo que foi dada em audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados: “Vossa Excelência me perguntava se eu considero 1964 um golpe. Eu não considero um golpe. Considero que foi um movimento necessário para que o Brasil não se tornasse uma ditadura. Não tenho a menor dúvida disso. Essa é minha leitura da história". Coisa de doido, isto sim, essa interpretação.
Certamente, o conjunto dos diplomatas brasileiros, que não é composto de petistas ou assemelhados, convive mal com o atual chanceler brasileiro e suas imponderáveis invectivas. Ora, um dos grandes legados da diplomacia brasileira, sob inspiração do Barão do Rio Branco, tem sido a eficiência e a discrição, para quem “um diplomata não serve a um regime e sim ao seu país”. Lição esta não assimilada o chanceler ‘Arnesto’.
Assim, Ernesto Araújo, à frente do Ministério  das Relações Exteriores, tem feito tudo para desprezar essa boa herança de Rio Branco e a tradição de eficiência da diplomacia brasileira ao promover, à sombra do belíssimo Palácio do Itamaraty, um autêntico “samba de criolo doido”,    aumentando mais ainda as dificuldades que enfrenta o não menos confuso e autoconflituoso governo Bolsonaro. 
Pior do que a negação do golpe de 1964,  só a afirmativa que fez publicamente em que disse  serem o nazismo e o fascismo resultados de “fenômenos de esquerda”. Enérgumeno até não mais poder, o chanceler de lata - versão empobrecida do “Chanceler de Ferro”, como ficou conhecido o Marechal Otto von Bismarck - talvez tenha antecipado, com esse raciocínio, a chave para interpretação dos historiadores do futuro sobre a presidência de Bolsonaro: se Hitler e Mussolini eram de esquerda, só falta culpar o PT pelo desastre em que poderá transformar-se o atual governo do capitão e seus miquinhos amestrados. Prefiro as lições  de historiadores do porte de Richard J. Evans,  na sua obra  “A chegada do terceiro reich”, que mostra o perfil ideológico  de Hittler nas profundas de extrema-direita. E Evans não é  petista, mas, festejado professor da University of Cambridge, Inglaterra. Mesmo porque,  “Nóis não semos tatu!”

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