terça-feira, 30 de julho de 2019

Artigo de Paulo Afonso Linhares

Enfim, o mordomo é o culpado

Paulo Afonso Linhares


Afora os dois governos de Lula, mormente o segundo, sempre tive a impressão de que os petistas tinham chegado ao governo federal, nunca ao poder. Sobretudo nos períodos presidenciais de Dilma Rousseff ( um completo e outro meio), remanesceu a ideia de que o PT era relés mordomo de um penoso arranjo político em que conservadores e tradicionais caciques, com sua insidiosas práticas corruptas, podiam refestelar-se em sórdidas incursões enquanto os ingênuos ‘donos do poder’ tinha a lídima impressão de que estaria “tudo dominado” em seu favor. 
Coisa nenhuma: nem imaginaram que essa súcia, naquele momento, ocuparia, majoritariamente, como acólita do PMDB, todos os espaços importantes do poder federal, a protagonizar um dos esquemas mais corruptos da História republicana. Os peemedebistas tinham quase tudo nos governos Dilma: vice-presidência da República, presidências das duas casas do Congresso, além dos postos chaves da Administração Federal.
Os comandados do vampiresco Michel Temer, em conluio com adversários históricos, armaram a defenestração da inflexível Dilma Rousseff, para dar lugar à derrocada petista que, aliás,  sob o bafejo midiático dos grandes caciques da imprensa nacional, foi transformada no grande vilã da política brasileira.
Malgrado tudo, os golpistas de matizes diversos não esperavam a ascensão de alguém sem pedigree político. Tudo fazia crer que o jovem Aécio Neves, de nobilíssima cepa política de Minas Gerais, neto do inefável político Tancredo Neves, seria o novo demiurgo da política brasileira quando os petistas fossem jogados na vala comum dos vilões da pátria. Isso até deu certo: expulso do Palácio do Planalto, os petistas amargaram o dissabor de ver seu maior líder, o Lula, ser trancafiado, por bobagens jurídicas inexpressivas, em enxovia que lhe reservara o Califado de Curitiba, a poderosa corte do juiz Moro e seus delagnozinhos amestrados.
Enfim, na ótica de babacas de todos os matizes, Lula preso estaria aberto o caminho para a ‘revanche’ do tucanato. Contudo, nas tramas das humanas possibilidades não imaginaram os irredentos tucanos que o ‘xerém’ político estava destinado a bico mais aguçado: o do falastrão que lobrigava há quase três décadas no baixo clero da Câmara dos Deputados, Jair Bolsonaro, inesperadamente eleito presidente do Brasil, obtendo uma inimaginável montanha de votos.
Claro, sem a ‘vilanização’ do PT patrocinada pelo baronato da grande mídia brasileira em aberto e claro conluio com expressivas instituições judiciárias, esse cenário antirrepublicano jamais seria concretizado. Legitimado nas urnas, o capitão Bolsonaro passou a entender que era o demiurgo da nação brasiliana e que tudo o que vomitasse de sua impudica boca seria de incontrastável perfeição.
Após ‘capturar’ a poderosa curul presidencial respaldado por 57 milhões de votos, o capitão Bolsonaro atraiu para seu governo o grande justiceiro lavajateano Sérgio Moro, aquele que trancafiou Lula e deu o ponta inicial ao impedimento na disputa presidencial de 2018. 
Claro, para segmentos da classe média envenenada pelos barões midiáticos, Lula e seu PT eram os supremos males da nação: queriam impedir de o PT continuar, a qualquer custo,  embora sequer entendesse o que efetivamente isso pudesse significar. O PT passou a ser o vilão de todos os males políticos da nação, algo assim como o papel do mordomo nas tramas dos romances policiais: à míngua da descoberta do verdadeiro criminoso, ele é sempre e preliminarmente  o ‘culpado favorito’.
Quadras depois, vieram a público alguns diálogos denotativos de atividades que  expõem negativamente a atuação de Moro e dos ‘meninos da Lava Jato”, a força-tarefa do Ministério Público Federal liderada por Deltan Dellagnol, a partir da atuação do famoso jornalista norte-americano Glenn Greenwald,  ganhador do Prêmio Pulitzer de jornalismo, versão 2014 e criador do portal The Intercept Brasil. 
Expoente do jornalismo investigativo mundial,  Greenwald teve acesso e passou a divulgar comprometedoras conversas havidas entre o então juiz Sérgio Moro e   procuradores que atuam na Operação Lava Jato, evidenciando graves transgressões ético-jurídicas, de parte a parte, mormente aquelas configurativas de um complô institucional centrado na figura do ex-presidente  Luiz Inácio Lula da Silva, então franco favorito na corrida presidencial de 2018 que, a partir de frágeis elementos indiciários, foi preso, condenado e impedido de disputar a eleição.
A satanização do PT e de sua liderança mais expressiva, trombeteada por grandes e poderosos veículos da mídia conservadora, resultou na vitória do candidato-azarão da extrema-direita Jair Bolsonaro, que logrou plasmar o amplo sentimento das camadas médias do país de repulsa à corrupção sistêmica do aparelho de Estado promovida diretamente ou tolerada por proeminentes lideranças políticas de diversos matizes ideológicos e organizações partidárias. Claro, esse complexo fenômeno resultou no alijamento de tradicionais agrupamentos político-partidários e deu azo a que chegasse à presidência da República um medíocre  político que há quase três décadas  perfilava, na Câmara dos Deputados, como  defensor de um conjunto de ideias e conceitos que, acreditava-se, serem incompatíveis com a noção mais elementar de Estado Democrático de Direito e respeito a uma pauta de direitos fundamentais coletivos e individuais.
Daí a estupefação que, agora,  causam as revelações patrocinadas pelo jornalismo investigativo de Greenwald que, para surpresa geral, passou a ter o aval de importantes veículos midiáticos brasileiros (jornal Folha de São Paulo e revista Veja, entre outros). Um escândalo sem precedentes na história desta sofrida República tupiniquim.
Acossando diante das evidências reveladas pelas divulgações  no The Intercept Brasil, o ex-juiz Moro, atual ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro, moveu as pedras do xadrez político que lhe era amplamente desvantajoso: movimentou a poderosa estrutura da Polícia Federal, sob seu comando, para ‘encontrar’ os responsáveis pela invasão das contas de autoridades, inclusive o próprio, que teriam fornecido as informações a Greenwald. 
Então, o velho truque que as polícias do mundo inteiro utilizam quando não conseguem desvendar um crime, foi a solução (quase) mágica nesse caso: uma meia dúzia de reles criminosos que atuavam na prática de delitos cibernéticos foram milagrosamente descobertos como invasores dos telefones de Moro e outras autoridades. E não tardou a entrada do ‘mordomo’, o velho PT de guerra, nesse enredo mal-ajambrado, para quem  os hackers ‘tentariam’ vender os dados ilicitamente coletados, segundo ‘verazes’ depoimentos dados à Polícia Federal. Uma ousada movimentação de peças no movediço tabuleiro. Ponto para Moro e companhia.
Entretanto, o experiente Greenwald moveu suas peças e, sem divulgar a identidade de sua fonte, mostrou que os panacas presos pela PF nada tinham a ver com isso. Continuou convincente e, sobretudo, manteve a associação com alguns dos  grandes veículos midiáticos do Brasil,  livrando-se do isolamento que lhe tentavam impor. 
Agora,  a nós, comuns mortais, resta esperar o resultado desse indigesto angu político. Rezemos ao Senhor dos Exércitos (Isaías, 39:5, além de outras menções bíblicas), que nada tem a ver com Bolsonaro e as doidices que assolam a cena política brasileira. Rezemos!


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