DOIS
BRASIS
Paulo
Afonso Linhares
É intensa
a guerrilha dos jovens eleitores nas mídias
sociais, partidários
de Dilma Rousseff ou de Aécio
Neves, numa faina diuturna e repetitiva em que não faltam desde algumas tiradas de bom
humor até os
raivosos, virulentos e agressivos ataques aos candidatos, seus apoiadores e
instituições
a eles vinculadas. Em sua maioria, são
jovens entre dezoito e vinte e cinco anos. Sem trocadilhos, nessa faixa de
idade são
comuns as necedades, os arroubos e os discutidos tanto na linguagem quanto
tocante às
regras da boa educação.
Ressalte-se, porém,
que, em razão
de um feixe de complexos fatores sociais, políticos e econômicos, um clima eletrizante tomou de
conta do segundo turno da eleição presidencial de 2014, disputada por
Dilma Rousseff como representante de um conjunto de forças de centro-esquerda, de um lado, e
por Aécio Neves, que
capitaneia enorme bloco político
de centro-direita, impondo à
cena política uma dinâmica inusitada de um renhido confronto
político e ideológico que tem plasmado a atenção da sociedade brasileira como um
todo, não
apenas de sua juventude.
São dois Brasis que se confrontam, ou
melhor, os dois esboços
dos projetos de Estado-nação
construídos depois da implantação da ordem constitucional de 1988, um
como tradução
do rearranjo feito pelas elites no rumo da modernidade, tendo como pano de
fundo a hegemonia de uma ampla aliança
de forças conservadoras,
porém, sob a liderança de um partido político talhado nos moldes da
social-democracia europeia. Assim, coube ao Partido da Social-Democracia
Brasileira - PSDB, representar este papel, eis que nasceu sob os auspícios de algumas das lideranças políticas mais expressivas da oposição à Ditadura Militar, a exemplo de André
Franco Montoro, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso,
José Richa,
José Serra
etc.
O
outro foi traçado
partir da junção
do que restou das forças
de esquerdas destroçadas
no enfrentamento militar contra a Ditadura (1964-1985), dos movimentos sociais
ligados à Igreja
Católica (as comunidades
eclesiais de base) e o vigoroso movimento sindical do ABC paulista que
resultou da superação
das estruturas do sindicalismo pelego implantadas há
sete décadas, tendo como acontecimento mais
relevante a fundação
do Partido dos Trabalhadores, na mesma linha do Bloco Operário e Camponês que, em 1928, participou com algum
sucesso das eleições
do antigo Distrito Federal, diante da constatação de que “jamais o
eleitorado operário do Brasil participou de uma campanha eleitoral
nacional com força
própria, como classe independente, apresentando um programa
de reivindicações ditadas por
seus interesses e aspirações da classe”. Aliás, nos documentos de fundação do PT, notadamente no seu Manifesto,
aprovado em 10 de fevereiro de 1980, havia transcrições literais daquele produzidos pelo
BOC sessenta e oito anos antes, até para
desmentir alguns "petecos" quando afirmam desabridamente que foram
eles os inventores da participação
política dos
trabalhadores e camponeses do Brasil.
Esses
dois projetos políticos
que até nem
eram assim tão
antagônicos (o PSDB de
centro-esquerda e o PT de esquerda) quando surgiram por volta de 1980, sofreram
consideráveis
mutações
político-ideológicas após assumiram a presidência da República (o PSDB por duas vezes com FHC e
o PT por três
vezes, com Lula e Dilma), ditadas pelas exigências de governabilidade, isto é, as alianças que tiveram de celebrar, geralmente
com partidos fisiológicos
e conservadores, quando não
extremamente viciados e corruptos, em variadas intensidades, fizeram com que o
PSDB fosse deslocado para o centro-direita e o PT para o centro, esquerda.
Enfim, posto que tenham mudado de posição
no espectro ideológico-político, ainda se mantém próximos. A prova disto está
ainda presente nas retinas desta nação: um jovem e impetuoso Lula, líder sindical, a pedir votos nas portas
de fábricas para um
igualmente jovem e elegante professor universitário, Fernando Henrique Cardoso,
candidato a senador por São
Paulo, nos anos '80. Se querem outro ponto de contato entre esses partidos, lá
vai: vários dos formuladores do "Mensalão" do PT fizeram idêntico trabalho anteriormente para o
PSDB; a única
diferença
foi que os "mensaleiros" (culpados ou não) do PT foram para a cadeia e todos
os "mensaleiros" tucanos (mesmo que claramente culpados) continuam a
voar lépidos e fagueiros
pelos céus
destes brasis.
O
embate presidencial deste ano 2014 será o
sexto entre petistas e tucanos. Por enquanto, o placar está
de 3 x 2 em favor dos petistas. O que
interessa mesmo é qual
desses brasis emergirá das
urnas de 26 de outubro. Pelas chispas perfurantes como agulhas que escapam das
fráguas em que se
transformaram os debates e programas televisivos, é
possível
antever que, hoje, são
países diferentes: um
que seguirá apostando
no resgate da secular dívida
social e no alargamento dos espaços
para o exercício
da cidadania e outro, o país
dos tucanos, que investe na perspectiva de um desenvolvimento social, econômico, político e cultural baseado na premissa de
um mercado forte e conectado ao mundo globalizado. No contexto atual, a
primeira opção
é menos
travosa e mais segura. Por isto, é Dilma
de novo.