sábado, 24 de agosto de 2019

Artigo de Paulo Afonso Linhares

WITZEL, O INSANO

Paulo Afonso Linhares


Esse formidável ser humano e líder máximo de todos os católicos do mundo, o papa Francisco, numa vigorosa demonstração de virtude cristã, assevera que “quando você comemora a morte de alguém, o primeiro que morreu foi você mesmo”. Foi este pensar que veio à mente quando as grandes redes de televisão brasileiras mostraram uma cena mais do que bizarra: saltando de um helicóptero que pousou em plena  Ponte Rio-Niteroi, uma adiposa figura, pretensamente humana, saltitante e com braços erguidos, à moda dos torcedores de times de futebol quando comemoram um gol, exultava a morte de um jovem desvairado pela bala certeira de um sniper da Polícia Militar carioca, que certamente em tresloucado gesto, invadiu e sequestrou um ônibus urbano com mais de trinta passageiros. 
Com efeito, esse jovem de pouco mais de vinte anos, protagonizou quatro longas horas de pânico e terror, com ameaça às vidas de cidadãos inocentes.  O regozijo foi do governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, pelo desfecho trágico do episódio. Enfim, por mais legítima e correta que possa ser a operação policial, nesse caso, afigura-se inadmissível a atitude do governador carioca, em chão republicano.
Situação gravíssima. Negociadores da Polícia Militar tentaram uma saída, sem êxito. Diante do impasse, decerto que restou a solução de força no objetivo de minimizar os danos que seriam a previsível perda de vidas das pessoas feitas reféns. Então, como procedimento padrão, restou a alternativa de abater o sequestrador com um preciso tiro de fuzil executado por atirador de elite. A ação foi eficiente e o jovem e desvairado sequestrador foi morto.
Lamentável, mas, talvez, a solução que pareceu mais eficaz para preservar as vidas dos reféns foi a de abater o jovem a longa distância, por arte de um atirador de elite, mesmo porque era impossível prever que o sequestrador portava uma arma de brinquedo, um pequena faca e uma garrafa plástica de refrigerante; esticar as negociações com ele além das quatro horas já consumidas seria submeter os sequestrados a riscos indomináveis. Mesmo uma solução parcial - um tiro que apenas incapacitasse o sequestrador, nas pernas, por exemplo - poderia manter o mesmo grau de risco. 
Assim, a decisão do comando da operação policial foi correta, a despeito de ceifar uma vida humana; o que se chama, em situações extremas dessa natureza, de uma “escolha de Sofia” que implica sempre alguma perda qualquer que seja o caminho a ser seguido e, então, deve-se optar por aquele que cause menos prejuízo (redução de danos).
No episódio, erraram o infeliz sequestrador do ônibus cheio de passageiros e o governador Witzel, que mantém um pesado discurso de pregação da violência estatal ilimitada no combate ao crime, no aceiro da Constituição e das leis,  utilizando, aliás, uma retórica zombeteira que em nada difere daquela que é comum aos criminosos que ele pretende exterminar, como se faz com baratas e ratos. 
Aliás, em favor de Witzel não cabe o argumento - largamente usado para  favorecer a  Bolsonaro – de que as suas bobagens partem de alguém despreparado, sem instrução: quando resolveu disputar o mandato de governador, era juiz federal, depois  de ter sido advogado e fuzileiro naval. Enfim, ele é conhecedor dos direitos e garantias individuais e coletivas enumerados no artigo 5º, da Constituição. As suas contumazes agressões aos cânones legais, sobretudo, quando se trata de comunidades periféricas, as favelas cariocas, aqueles “morros mal vestidos” de que nos fala o cantor Silvio Caldas, que vivem sob ameaça das tropas do governador Witzel, inclusive, aquelas que a partir de helicópteros equipados com armas de grosso calibre promovem horripilantes “chuvas de balas”.
A Cidade do Rio de Janeiro vive, hoje, uma intensa guerra em que se confrontam poderosas organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas e as forças de segurança do Estado. No meio desse conflito que já se veste das cores de guerra civil, inocentes civis são ‘achados’ por “balas perdidas”, em especial, crianças cujas vidas são ceifadas às dezenas. 
E o ex-juiz Witzel, ora governador por vontade política dos cariocas, profere ameaças e basófias do tipo “se sair de casa com um fuzil, vamos matá-lo!” Assim, pura e simples, “banalizações do mal”, para usar a conhecida expressão da filósofa Hannah Arendt e que trazem à memória os brados das falanges franquistas comandadas pelo general José Millán-Astray y Terreros, quando invadiram a vetusta Universidad de Salamanca, templo do saber do reitor-filósofo Miguel de Unamuno: “viva a morte!”.
De volta a estas paragens tupiniquins, no tempo presente, triste, muito triste, é ter que substituir, naquela famosa marchinha carnavalesca, o “cidade maravilhosa” por “cidade horripilante, cheia de desencantos mil”, sob o comando do mórbido governador Witzel cujo desejo mais ardente é, ainda, governar o Brasil, logo que finda a onda Bolsonaro que,  para lembrar o atualíssimo verso da canção de Chico, “o que não tem governo nem nunca terá”. E a nave vai, nave Brasil, na escuridão de encapelados mares: “o que será, que será?”

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