domingo, 2 de agosto de 2015

Artigo de Paulo Afonso Linhares

DE “MOROS Y CRISTIANOS” 
Paulo Afonso Linhares 
Nas últimas quatro décadas visitar Cuba foi sempre uma ambicionada rota turística dos latino-americanos, inclusive, os brasileiros. Claro, na “Ilha” pouca coisa interessante para ver: a praça e o museu da Revolução em Havana, a casa do escritor Ernest Hemingway, o bar El Floridita e o restaurante La Bodeguita del Medio, em cujas paredes os turistas escrevem seus nomes. No cardápio de La Bodeguita há um prato de origem espanhola muito apreciado: “Moros e Cristianos”,  uma mistura de arroz e feijão preto cozidos com alguns pedaços de carne de porco. O susto é apenas o que se paga por essa iguaria meio exótica, pois, de resto, não passa de uma espécie do “baião-de-dois” tão brasileiro-nordestino ou do “rubacão”, como preferem chamá-lo os paraibanos. Aliás, essa comida bem reflete o imaginário ibérico construído culturalmente à sombra da contraposição entre os mouros (árabes, muçulmanos) e os cristãos. 
Aliás, é interessante lembrar como a influência árabe (moura) marca o mundo ibérico constituído por Espanha e Portugal, além das nações nascidas como colônias desses países em todos os continentes, sobretudo, na América do Sul. E isto tudo vêm à mente em face dos desarranjos político-institucionais por que passa, neste momento, o Brasil, além do desastre cada vez mais aparente da economia que rola ladeira abaixo. Enfim, um genuíno baião-de-dois que tem, de um lado, o juiz federal que atua no Paraná, Sérgio Moro, responsável pela “Operação Lava-Jato” em que são apuradas fraudes em licitações da Petrobrás e pagamento de propinas a ex-diretores dessa estatal, a partidos políticos e personalidades da política brasileira, inclusive, os atuais presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados e, do outro, um expressivo grupo de gestores de grandes empreiteiras da Petrobrás, acusados (e presos provisoriamente!) como corruptores. E a sombra de muito dinheiro que desceu pelo ralo da corrupção.
 Assim, temos um Moro, o juiz travestido de herói-vingador da sociedade brasileira assolada pela peste negra da corrupção, que literalmente “prende e arrebenta” a fustigar esses cristãos nem assim tão novos na arte de furtar dinheiros públicos. Com efeito, o juiz Moro está a atrair para si, sob a complacência do próprio Supremo Tribunal Federal, além dos holofotes, a enorme responsabilidade de passar a limpo essa velhíssima questão que se traduz nas relações promíscuas dos grandes empreiteiros de obras públicas e prestadores de serviços com servidores encastelados nos diversos níveis das administrações direta e indireta da União, Estados, Distrito Federal e Município, suas autarquias e empresas. 
Em verdade, os mais de cinco séculos da colonização portuguesa nesta parte do mundo são marcados pela prevalência de instituições jurídico-políticas matizadas pelo paternalismo, pelos privilégios de poucos em detrimento do coletivo, pela privatização da coisa pública em prol de uma elite despudorada, medíocre e não menos perversa. Já na famosa carta encaminhada ao rei de Portugal (Dom Manuel, o venturoso) em que narrava a descoberta de um vasto e rico território “onde se plantando tudo dá”, o hábil escrivão Pero Vaz de Caminha aproveitou o ensejo para pedir empregos para dois de seus sobrinhos... Daí em diante foram gradativamente aperfeiçoadas as técnicas e práticas do assalto aos dinheiros públicos, no Brasil, fazendo seu povo padecer de extorsões e tiranias ao longo de sua tortuosa história. 
É bem certo que, nestes Brasis, vivem-se momentos difíceis, de enormes sobressaltos. Do que havia de certezas restou, no máximo, uma magra penca de talvezes. E está tudo muito enevoado para prever o que ocorrerá no dia seguinte ou mesmo na próxima hora. Essa avalanche de pessimismo passará, com superação das adversidades para prevalecer a razão e o bom senso, porquanto, no fim desse túnel de incertezas e desalentos que sufoca a nação, decerto brilhará a esperança de que, do processo histórico ora vivenciado, poderá emergir um Brasil melhor. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários críticos sem identificação não serão aceitos.