OS RISCOS DA INTOLERÂNCIA II
Paulo Afonso Linhares
A voz das ruas nem
sempre é
inteligível,
porquanto nada mais ela é
que uma confusão
de muitas vozes. Entretanto, temos que ouvir todas elas com cuidado para saber
separar o que é
trigo do indesejável
joio. Depois do susto, governos estaduais e prefeituras municipais de São Paulo e do Rio de Janeiro
resolveram recuar e revogaram os aumentos das tarifas de transportes urbanos. Meno male, todavia, isto não garante o fim das manifestações, sobretudo, das extrapolações de violência, dos atos de banditismo
praticados por marginais e vagabundos infiltrados nos movimentos, cuja motivação essencial é promover depredações e saques; nas ondas das manifestações muita baderna também ocorre. Por isto é que, posto que inevitáveis, essas distorções igualmente não podem ser relevadas. Claro, a
evidente legitimidade dos protestos não
pode absolver a baderna, os saques e as violações patrimoniais públicas e privadas, em face das quais é imprescindível e legítima uma ação vigorosa do Estado para coibi-las,
em prol das comunidades de cidadãos.
Com efeito, tanto é
impossível
deter as ações
de vândalos
e malfeitores infiltrados nas manifestações
legítimas,
quanto daqueles que, imbuídos
de bons propósitos
se utilizam das manifestações
de protesto que invadem as ruas das grandes cidades. Lastimavelmente, o joio e
o trigo restam indissociáveis
nesses contextos. Aliás,
caracterizadas por sua inorganicidade, os movimentos de massas fogem facilmente
do controle de suas lideranças,
quando estas porventura existam. Ressalte-se, todavia, o elemento bem novo: o
papel importante que as redes sociais têm
desempenhado na organização
desses movimentos.
Outro aspecto relevante é a volatilidade dos leitmotifs, isto é, as razões que determinariam os protestos de
rua: quando se alastram por praças
e ruas, o que menos importam são
as motivações
declaradas pelos manifestantes, que mudam ao sabor dos acontecimentos e sempre
na tentativa de prolongar os movimentos. Dai que a revogação dos aumentos de tarifas não vai impedir a continuidade dos
protestos que logo terão
como leitmotiv algo que não terá solução fácil ou possível, como são os temas da corrupção, dos desarranjos das políticas públicas diversas ou mesmo, se
quisermos ficar na questão
menor das tarifas de transportes públicos,
basta levantar a bandeira da tarifa zero, ou seja, da completa gratuidade desse
serviço
essencial que, em grande medida, é
prestado pela iniciativa privada mediante concessões ou permissões do Poder Público. Como imaginar que um serviço cuja prestação
implica pesados custos operacionais e de investimentos, ademais de
exigir uma complexa logística,
como é
o dos transportes públicos?
Sobre os atuais protestos que se espalham por todas as regiões do Brasil, não é exagero afirmar que constituem maciçamente manifestações de vários segmentos da classe média. Ora, nos últimos dez anos de governos petistas,
foram direcionadas políticas
públicas
assistencialistas e de redistribuição
de renda que resgatou da miséria
absoluta milhões
de famílias.
Doutra parte, o sucesso da política
econômica,
nesse mesmo período,
trouxe muitos ganhos para os setores mais dinâmicos da economia, como são os casos dos bancos e da indústria automobilística, esta beneficiada
desnecessariamente com generosa política
de incentivos fiscais (a alíquota
zero do IPI).
Em suma, por razões
diversas, os muito pobres que são
tantos e os muito ricos que são
poucos, nada têm
a reclamar dos governos Lula e Dilma. E a classe média? Esta tem sido muito sacrificada,
à
exceção
dos segmentos ligados às forças
armadas, ao Fisco, às
universidades e às
carreiras jurídicas
da União
Federal. A classe média
sofre com o desemprego crescente, com a perda do poder de compra dos salários ou com o "confisco"
salarial feito através
da rigorosa taxação
do Imposto de Renda da Pessoa Física.
Quem "carrega o piano" no Brasil, atualmente, é a classe média. E paga todas as contas. A
presidente Dilma e outras lideranças
políticas
devem refletir sobre este novo cenário.
A classe média
cisma e ganha as ruas. E o Brasil pega fogo, com manifestações
gigantes em todas as capitais, inclusive Brasília (50 mil pessoas na Esplanada dos
Ministérios),
em 20 de junho último.
O represamento de todas essas frustrações
começa
a transbordar nas ruas do Brasil, com consequência que são difíceis de qualquer previsibilidade.
Afinal, protestos assim sabem-se apenas como começam, jamais como terminam.
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