domingo, 9 de junho de 2013

Artigo de Paulo Afonso Linhares

ENFIM, A CIVILIZAÇÃO

Paulo Afonso Linhares

Estudante na prestigiosa Universidade de Brasília, nos fins dos anos '70, fui atraído para um evento que movimentou os meios acadêmicos e políticos brasilienses: uma conferência que reuniria dois ferrenhos adversários da Ditadura Militar, esta que vivia seus estertores, ademais de serem aqueles figuras mitológicas não apenas de Brasília, mas, do Brasil: Oscar Niemeyer, um dos magos da arquitetura contemporânea, cujo maior conjunto de obras está em Brasília, e Darcy Ribeiro, o genial antropólogo que, entre tantas coisa que criou, trouxe a lume a mesma Universidade de Brasília. Claro, no auditório lotado era enorme o contingente de agentes (disfarçados, claro) dos órgãos de segurança, com o propósito nem assim tão velado de intimidar os conferencistas e mesmo a plateia, sem sucesso em ambas as hipóteses: aqueles, transmudados em verdadeiras metralhadoras giratórias verbais, logo mostraram porque eram tão odiados pelos então donos do poder, para entusiasmo dos presentes. Nunca aplaudimos tanto e com tamanho entusiasmo; era como um mundo novinho em folhas se mostrasse para nós: pobre e decrépita Ditadura. Na fala de Niemeyer aprendi uma lição importante: falando sobre o trabalho do urbanista Lúcio Costa e do seu próprio, no planejamento da nova capital, ele mostrou as implicações ideológicas dos projetos por eles elaborados; em suma, é um mito apenas a propalada neutralidade da ciência e tecnologia. Mesmo os traços rudimentares de uma arquitetura podem revelar uma visão (ideológica) de mundo.

Essa premissa do sábio Niemeyer tem mais uma comprovação com as recentes construções dos novos estádios brasileiros para a Copa do Mundo de 2014. Sem dúvida, essas novas praças de esportes, planejados segundo os padrões ditados pela FIFA, configuram uma enorme quebra de paradigmas arquitetônicos e de segurança dos antigos estádios de futebol brasileiros, compostos de vários aparatos e barreiras tipicamente medievais, como enormes fossos que separavam as arquibancadas dos gramados, além dos tradicionais alambrados e outros tapumes do tipo, isto sem falar na segregação das torcidas e presença nas adjacências dos gramados de fortes aparatos de polícia ostensiva. Os novos leiautes – enquanto distribuição física de elementos num determinado espaço – são capazes de ditar sim novos modelos comportamentais, condutas a ser exigidas do torcedor que transcende em muito aquilo que está plasmado no já arcaico Estatuto do Torcedor (Lei nº10.671, de 15 de maio de 2003).

Nos novos estádios da FIFA tudo tem como fio condutor uma nova postura do torcedor fortemente embasada nas noções de convivência democrática, solidariedade social e respeito aos direitos de cada cidadão. Passa, por igual, uma forte ideia de dever de cada cidadão pelo bem-estar coletivo, com a responsabilização da que é mais precioso para o torcedor: o seu time responde pelas besteiras que armarem seus simpatizantes. Os clubes de futebol pagam caro pelas badernas de seus torcedores. Foi assim que na Europa inteira os "hooligans" findaram dominados. As brigas, tumultos e invasões do campo de jogo, passaram a acarretar severas sanções individuais (prisões, multas, proibições de frequentar estádios etc.) ou para os clubes (multas, desclassificação em torneios e campeonatos, expulsão das entidades – as ligas - futebolísticas etc.).

Num país civilizado, nestes moldes, o Corinthians, por exemplo, teria sido expulso da Libertadores, além de arcar com enorme multa. Tudo em razão da morte do adolescente boliviano Kevin Douglas Beltrán Espada, vítima de aparato pirotécnico (sinalizador) acionado por torcedor corintiano, durante a partida entre San José e Corinthians, em Oruro, na Bolívia, pela Copa Libertadores da América. Lastimável e triste episódio. No Brasil atual a situação afigura-se tanto mais grave: os clubes estimulam e financiam as tais "torcidas organizadas", grupos de baderneiros cuja motivação é promover arruaças, dentro ou fora dos estádios. Essas gangues uniformizadas, felizmente, são incompatíveis com as novas configurações dos estádios da Copa de 2014. No entanto, elas somente serão eficientes se houver um firme engajamento das entidades desportivas, inclusive os clubes, e autoridades de diversos níveis, desde policiais, gestores públicos, magistrados ou membros do Ministério Público. As atitudes diante de baderneiros e dos clubes que os acobertam devem ser eficazes, rápidas e severas, sem qualquer contemplação para com esses abusos em face das leis. E que atrapalham os espetáculos de futebol. Com efeito, a boa "pedagogia do Jucá", como se diz cá nestes sertões, funciona que é uma beleza. E como civiliza!

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