domingo, 17 de novembro de 2013

Artigo de Paulo Afonso Linhares

SOLAVANCOS DA DEMOCRACIA

Paulo Afonso Linhares

Numa sociedade de forte tradição autoritária e paternalista, como a brasileira, algumas experiências democráticas soam estranhamente, como se fossem coisas de outro mundo, principalmente quando implicam quebras de determinados paradigmas. Mais ainda quando envolvem partidos políticos, que naturalmente constituem (ou deveriam constituir)  chão da democracia. É neste diapasão que deve ser avaliada a polêmica experiência do Processo de Eleições Diretas 2013 (ou simplesmente PED 2013) levada a efeito pelo Partido dos Trabalhadores, nos três níveis, com pleitos para escolha dos membros dos diretórios municipais, estaduais e do Diretório Nacional.

Inegável que o PT, goste ou não do que ele representa no contexto político, constitui a mais avançada experiência de partido político de massas da história brasileira, sobretudo, em se considerando que a tradição nestas paragens tupiniquins é a de instituições partidárias débeis, com atuação sazonal (apenas nos períodos de eleições), pouca influência nas metas, políticas públicas e ações dos governos que elegem, isoladamente ou em coligações partidárias, ademais das marcações ideológicas pouco definidas. Aliás, é por demais conhecido o divórcio entre o que apregoam os documentos fundamentais dos diversos partidos (os manifestos ou programas) e a sua prática política, sobretudo, no que tange às alianças eleitorais, em que são corriqueiras as uniões eleitorais de partidos absolutamente díspares do ponto de vista político e ideológico ou, como diz melhor a sabedoria popular: "casamento de jacaré com cobra d'água".

Em três décadas, mesmo com enormes erros e monumentais acertos, a construção do PT aponta para um caminho diferente, sempre no rumo do fortalecimento da autoridade partidária, com a democratização de suas práticas internas, inclusive tendo como pano de fundo uma miríade de grupos organizados - as correntes ou tendências - que disputam sem trégua qualquer espaço político. Aliás, aquilo que parecia complicado e potencialmente deletério ao processo de construção do PT nos anos '80 e '90 - a existência dessas tendência - findou reconhecido como uma prática que enriquece e qualifica o debate político interno, com o fortalecimento da interlocução do partido com a sociedade. Entretanto, nem sempre essa coexistência das diversas tendências (que ideológica e politicamente nada mais são que matizes do campo da esquerda) aponta para resultados positivos, embora tenha logrado êxitos como a conquista do governo federal já por três períodos consecutivos, com a formação de fortes bancadas nas duas Casas do Congresso Nacional, nos parlamentos dos Estados e Municípios, além  da presença em importantes governos estaduais e municipais.

A adoção do PED funciona como ferramenta para legitimação  das instâncias diretivas do PT, ademais de "harmonizar" os embates políticos das tendências, para deles extrair energia política capaz de impulsioná-lo, independentemente até do papel que representam lideranças do porte de Lula ou da presidenta Dilma Rousseff. Todavia, o PED 2013, realizado no dia 10 de novembro de 2013, certamente não deixará boas recordações, porquanto pontilhado de erros técnicos e políticos na sua execução que, lastimavelmente, comprometem o objetivo visado, ademais de provocar sismos e convulsões nas diversas instâncias, bem assim têm ganho espaço nas mídias acusações que atingem a credibilidade desse processo como legitimador das estruturas diretivas do PT. Numa dessas acusações, a tendência que reelegeu o atual presidente do PT, Rui Falcao, teria "bancado" a regularização financeira de aproximadamente 300 mil militantes, cujas contribuições partidárias teriam sido "abonadas" em todo o país, esse que é um requisito para participar do processo, ou seja, cada militante petista deve estar com suas contribuições quitadas até certa data que antecede o PED. Pouco provável tenha havido uma ação dessa envergadura, considerado-se que mais de 900 mil filiados ao PT estavam aptos a participar.

Uma coisa é certa: os ferrenhos inimigos desse partido poderão aproveitar essas divergências internas para "tirar uma casquinha" e prejudicá-lo no embate eleitoral de 2014, a tirar pelo resultado do PED 2013 no Rio Grande do Norte, onde uma série de erros de execução do pleito para o Diretório Estadual do PT gerou uma enorme celeuma que pode prejudicar a sua presença na coligação liderada pelo PMDB, em especial na chapa para os pleitos majoritários (para o governo do Estado e a vaga do Senado Federal). De tudo, o melancólico é que essa experiência de democracia interna do PT, com tantos "senões", pode não imantar outros partidos e contribuir para o fim do caciquismo partidário no Brasil. Afinal, uma coisa é certa: não se faz democracia sem alguns desagradáveis solavancos. Faz parte.

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