SOLAVANCOS DA DEMOCRACIA
Paulo Afonso Linhares
Numa sociedade de forte tradição autoritária e
paternalista, como a brasileira, algumas experiências democráticas soam
estranhamente, como se fossem coisas de outro mundo, principalmente quando
implicam quebras de determinados paradigmas. Mais ainda quando envolvem
partidos políticos, que
naturalmente constituem (ou deveriam constituir) chão da
democracia. É neste diapasão que deve ser avaliada a polêmica experiência do Processo de Eleições Diretas 2013 (ou simplesmente PED 2013)
levada a efeito pelo Partido dos Trabalhadores, nos três níveis, com
pleitos para escolha dos membros dos diretórios
municipais, estaduais e do Diretório Nacional.
Inegável que o PT,
goste ou não do que ele
representa no contexto político, constitui
a mais avançada experiência de partido político de massas da história brasileira, sobretudo, em se considerando
que a tradição nestas
paragens tupiniquins é a de instituições partidárias débeis, com atuação sazonal (apenas nos períodos de eleições), pouca influência nas metas, políticas públicas e ações dos governos
que elegem, isoladamente ou em coligações partidárias, ademais das marcações ideológicas pouco
definidas. Aliás, é por demais conhecido o divórcio entre o que apregoam os documentos
fundamentais dos diversos partidos (os manifestos ou programas) e a sua prática política,
sobretudo, no que tange às alianças eleitorais, em que são corriqueiras as uniões eleitorais de partidos absolutamente díspares do ponto de vista político e ideológico ou, como diz melhor a sabedoria popular: "casamento de
jacaré com cobra d'água".
Em três décadas, mesmo com enormes erros e monumentais
acertos, a construção do PT aponta
para um caminho diferente, sempre no rumo do fortalecimento da autoridade
partidária, com a
democratização de suas práticas internas, inclusive tendo como pano de
fundo uma miríade de grupos
organizados - as correntes ou tendências - que
disputam sem trégua qualquer espaço político. Aliás, aquilo que
parecia complicado e potencialmente deletério ao processo
de construção do PT nos
anos '80 e '90 - a existência dessas
tendência - findou reconhecido como uma prática que enriquece e qualifica o debate político interno, com o fortalecimento da interlocução do partido com a sociedade. Entretanto, nem
sempre essa coexistência das
diversas tendências (que
ideológica e
politicamente nada mais são que matizes
do campo da esquerda) aponta para resultados positivos, embora tenha logrado êxitos como a conquista do governo federal já por três períodos consecutivos, com a formação de fortes bancadas nas duas Casas do
Congresso Nacional, nos parlamentos dos Estados e Municípios, além da presença em importantes governos estaduais e municipais.
A adoção do PED
funciona como ferramenta para legitimação das instâncias diretivas
do PT, ademais de "harmonizar" os embates políticos das tendências, para deles extrair energia política capaz de impulsioná-lo,
independentemente até do papel que representam lideranças do porte de Lula ou da presidenta Dilma
Rousseff. Todavia, o PED 2013, realizado no dia 10 de novembro de 2013,
certamente não deixará boas recordações, porquanto pontilhado de erros técnicos e políticos na sua
execução que,
lastimavelmente, comprometem o objetivo visado, ademais de provocar sismos e
convulsões nas diversas
instâncias, bem assim têm ganho espaço nas mídias acusações que atingem a credibilidade desse processo
como legitimador das estruturas diretivas do PT. Numa dessas acusações, a tendência que
reelegeu o atual presidente do PT, Rui Falcao, teria "bancado" a
regularização financeira de
aproximadamente 300 mil militantes, cujas contribuições partidárias teriam
sido "abonadas" em todo o país, esse que é um requisito para participar do processo, ou
seja, cada militante petista deve estar com suas contribuições quitadas até certa data que
antecede o PED. Pouco provável tenha
havido uma ação dessa
envergadura, considerado-se que mais de 900 mil filiados ao PT estavam aptos a
participar.
Uma coisa é certa: os ferrenhos inimigos desse partido
poderão aproveitar
essas divergências internas
para "tirar uma casquinha" e prejudicá-lo no embate eleitoral de 2014, a tirar pelo resultado do PED 2013
no Rio Grande do Norte, onde uma série de erros de
execução do pleito
para o Diretório Estadual do
PT gerou uma enorme celeuma que pode prejudicar a sua presença na coligação liderada pelo PMDB, em especial na chapa para os pleitos majoritários (para o governo do Estado e a vaga do
Senado Federal). De tudo, o melancólico é que essa experiência de democracia interna do PT, com tantos "senões", pode não imantar outros partidos e contribuir para o fim do caciquismo
partidário no Brasil.
Afinal, uma coisa é certa: não se faz
democracia sem alguns desagradáveis
solavancos. Faz parte.
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