domingo, 29 de novembro de 2015

Artigo de Paulo Afonso Linhares

PESCARIA EM ÁGUAS TURVAS


Paulo Afonso Linhares 


Mais um capítulo desse enfadonho folhetim que é a Operação Lava Jato, deflagrada em 17 de março de 2014 pela Polícia Federal (PF), que investiga um esquema bilionário de desvio e lavagem de dinheiro que envolve a Petrobrás, com perdas estimadas em 19 bilhões de reais. No entanto, a 18ª fase da Lava Jato trouxe  enormes surpresas: a primeira prisão de um senador em pleno exercício do mandato - Delcídio Amaral (PT-MS) – decretada pelo ministro Teori Zavascki, do STF, referendada pela 2ª Câmara do mesmo tribunal e, pasmem, prisão preventiva mantida pelo plenário do Senado Federal por uma esmagadora votação de 59 votos a 13, além de uma abstenção, fato que denota um enorme enfraquecimento  do próprio Congresso Nacional, em face do Poder Judiciário,  isto sem falar que o Executivo caminha com enormes dificuldades, embora haja alguns tênues sinais de recuperação do governo Dilma, algo que poderá não prosseguir, ao menos no curto prazo, porquanto o senador Delcídio Amaral, na condição de líder da bancada governista no Senado, era importante peça na aprovação de matérias que envolvem o ajuste econômico.  
Claro, na votação aberta feita no plenário do Senado não estava em jogo a situação individual do senador Amaral que, a toda evidência, tentou embaraçar a instrução criminal propiciando meios para evitar a delação do ex-diretor da Petrobrás, Nestor Cerveró, mas, toda uma simbologia republicana que exige uma harmonia na relação entre os poderes independentes do Estado, traduzida pelo mecanismo dos “balanços e contrapesos”, criação dos pais da pátria norte-americana que possibilitou a consolidação do princípio de separação de poderes referida por John Locke e sistematizada pelo Barão de Montesquieu. 
A gravidade do episódio está no mandamento do artigo 53 da Constituição, que garante aos membros do Congresso Nacional – deputados federais e senadores – não serem presos senão em flagrante de crime inafiançável. O senador sul-mato-grossense não foi preso em flagrante: a gravação feita pelo filho de Nestor Cerveró, Bernardo, ocorreu em 4 de novembro passado e somente chegou a conhecimento do ministro Zavascki. Daí que a prisão, ocorrida no dia 25 do mesmo mês, é tipicamente acautelatória, preventiva, fora do que estabelece o dispositivo constitucional acima referido. O grave é que tramitam, no Supremo Tribunal Federal, quase duas centenas de processos contra deputados federais e senadores. Se a moda pega...
Outro reflexo importante da prisão do senador Delcídio Amaral foi a nota divulgada pela direção nacional do PT, que negou qualquer solidariedade ao seu filiado, mesmo que contra ele não haja, em definitivo, uma culpa formada. A
nota pusilânime do PT, aliás, foi integralmente lida por um orgásmico senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), para maior deleite de seus parceiros oposicionistas, no plenário do Senado.  Seguramente, a decisão que se seguiu foi em muito influenciada pela nota petista. 
Muita gente não se apercebeu que a submissão do Senado Federal ao STF representa uma perigosa derrocada do próprio Congresso Nacional, com inegável desequilíbrio no mecanismo de balanços e contrapesos. Enfim, por uma questão política menor, conjuntural, foi vulnerado o princípio do funcionamento independente, posto que harmônico, dos poderes da República. 
Nem a direção do PT notou a besteira que fez, muito maior, aliás, do que a do senador Delcídio Amaral, que se deixou cair na armadilha tola, mas, eficiente,  montada por Cerverozinho. Muitos senadores da oposição  raivosa ao governo Dilma, e outros tantos da situação, afirmar “de coração partido” na manutenção da prisão do colega Delcídio, a despeito da flagrante violação do texto constitucional que ela enseja. Meras lágrimas crocodilescas de cavilosos senadores de vários partidos. Do outro lado da Praça dos Três Poderes, definitivamente, os homens e mulheres de toga começam a “gostar do jogo”, como se diz na linguagem dos comentaristas de futebol. E querem pegar peixes cada vez maiores nessas águas perigosamente turvas de Brasília. Lá em Curitiba, com o beneplácito capa-pretas do STF, o juiz Moro vai descendo a chibata com força, nessa sua “dança dos famosos” que não para de encher presídios. Durma-se como um barulho desse!

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