CRÔNICA DE UMA
ESTUPIDEZ ANUNCIADA
Paulo Afonso Linhares
Depois de uma (pouco sentida) ausência de meses, tive que resolver algo no Centro Administrativo onde funcionam os principais órgãos do governo do Estado do Rio Grande do Norte. Foi uma enorme ginástica para encontrar a entrada, vez que o enorme tapume que agasalha o Estádio João Cláudio de Vasconcelos Machado (Machadão) e o Ginásio Esportivo Humberto Nesi (indevidamente chamado de "Machadinho"...), tornou difícil o acesso ao Centro Administrativo. Pude admirar, mais uma vez, a bela obra de cimento e aço nascida da imaginação do arquiteto Moacir Gomes da Costa, capaz de abrigar 42 mil espectadores, cuja estrutura desigual das arquibancadas fora projetada como as ondas deste oceano esmeraldino que ilumina Natal...
Inaugurado em 04 de junho de 1972, o Machadão foi considerado pelo então governador José Cortez Pereira de Araújo, que presidiu a solenidade ao lado do prefeito Jorge Ivan Cascudo Rodrigues, como sendo um belo "poema de concreto". E de fato era e ainda efetivamente o é, como se dizia em tempos idos. Uma edificação magnífica que se incorporou não apenas na paisagem do Bairro da Lagoa Nova, mas, à cultura potiguar, mormente de seus desportistas das nações americanas, abecedistas ou alecrinenses, que ali extravasaram suas paixões nestas quase quatro décadas. Cascudo, o gênio da raça comedora de camarão, deveria ter escrito algo belo e definitivo sobre o poema de concreto dito "Machadão", algo como um amuleto que o preservasse para todo o sempre, que o afastasse da sanha devoradora dos inconfessáveis interesses da poderosa Fédération Internacionale de Football Association - FIFA e de seus tantos aliados daqui.
Certo é que o Machadão está embrulhado para morrer, apesar dos 17 milhões do dinheiro público utilizado para reformá-lo há menos de quatro anos. Os defensores da sua demolição, para dar lugar ao Estádio "Arena das Dunas", para acolher os jogos de uma das chaves da Copa do Mundo de 2014, lhe jogam os mais absurdos defeitos, para transformá-lo num horrendo anátema. O que mudou no "poema de concreto", nesse meio tempo? Nada ou quase nada. Seus "versos" e "estrofes", apesar da ação do tempo e, sobretudo, do enorme descaso das autoridades municipais de Natal, continuam firmes e plasticamente belos. Nada contra o novo rebento de concreto que vai tomar-lhe o lugar - o Arena das Dunas -, tampouco contra a Copa do Mundo de 2014: é um absurdo destruir majestosas edificações plenamente servíveis e que são patrimônios materiais e espirituais de um povo. Será que em Natal não haveria um terreno que pudesse fazer o novo estádio sem molestar o Machadão e o Ginásio Humberto Nesi? Claro que há, mas a opção mesmo foi por demoli-los. Assim quis a FIFA, assim hão de fazer as autoridades de governo da Cidade de Natal e do Estado. Tudo como se o povo potiguar fosse riquíssimo e pudesse bancar essa farra toda. Não precisava derrubar o "Machadão". Que o novo estádio fosse construído noutro local. A questão não é de saudosismo porra nenhuma, mas de singela lógica e economia primária.
Em breve tempo os "versos" do poema de concreto do talentoso Moacir serão desfolhados, um a um, até que somente restem os escombros e o silêncio da enorme ausência. A sua morte está anunciada. Dentro do tapume metálico, operários e máquinas pesadas ensaiam a dança da morte. Esse leite, sim, será derramado, o que representa uma enorme estupidez, além de desapreço ao patrimônio de um povo pobre de tudo, menos de esperança. As várias centenas de milhões de reais, posto que não fartem a cobiça de tantos, forrar-lhes-á os bolsos sempre solícitos e gulosos. "Para os quintos dos infernos, com Machadão e Machadinho!", decerto pensam. A despeito do novo amor que virá sob belas formas de concreto e ação - o Estádio Arena das Dunas - na memória de cada torcedor restará as lembranças dos risos que riu quando seu time ganhou ou das lágrimas sentidas da derrota no verde tapete gramado do velho "Machadão".
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