2015:
SEM DECRETO DA ESPERANÇA
Paulo Afonso Linhares
Em trecho do poema Receita de Ano Novo, publicado no "Jornal do Brasil" em dezembro de 1997, Carlos Drummond de Andrade aconselha sobre como devem ser renovadas as expectativas a cada novo ano: "Não precisa fazer lista de boas intenções/ para arquivá-las na gaveta./ Não precisa chorar de arrependido/ pelas besteiras consumadas/ nem parvamente acreditar/ que por decreto da esperança/ a partir de janeiro as coisas mudem/ e seja tudo claridade, recompensa,/ justiça entre os homens e as nações,/ liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,/ direitos respeitados, começando/ pelo direito augusto de viver." Uma bela advertência para aqueles que ingenuamente acreditam poder zerar todos os problemas, próprios e do mundo todo, a cada 31 de dezembro. Ano novo é apenas resultante de uma "genial partição do tempo", para usar outra boa imagem de Drummond, mera convenção que ajuda às pessoas a suportar as cargas e encargos do dia a dia, pela vida a fora.
Uma coisa, porém, é certa: mesmo tendo a convicção de que mágicas transformações não podem ser feitas, de que as coisas não melhoram com mero decreto da esperança, a renovação dos mandatos da presidente e do vice-presidente da República, além do início de novos governos nos 27 Estados da federação, embora alguns tenham sido meras renovações de mandatos, injetam expectativas positivas na sociedade brasileira. E não poderia ser diferente, sobretudo, quando se projetam para o ano de 2015 turbulências políticas e dificuldades econômicas.
O affair da Petrobrás, já cognominado de "Petrolão", tem potencial de gerar ainda muita instabilidade política, principalmente em face da possibilidade do surgimento de um "núcleo político" no processo, ou seja, ao lado de executivos de empreiteiras contratantes da Petrobrás, de executivos da própria empresa envolvidos em graves e vultosos casos de corrupção, deve o Ministério Público Federal, já nos dois primeiros meses de 2015, oferecer denúncias contra políticos - parlamentares federais e governadores estaduais - citados nos vários depoimentos colhidos em delações estimuladas do ex-diretor daquela empresa, Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef, além de diretores de empreiteiras. Ainda não é possível prever que impactos terão as denúncias a serem formuladas contra esses políticos ligados à base aliada do governo Dilma Rousseff.
No front da economia, tem revelado o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que serão adotados remédios amargos para corrigir rumos. Em regra geral, várias ações terão como objetivo o aperto do crédito e dos salários, para segurar a inflação. Além das decisões governamentais, ressalte-se a instabilidade do mercado de ações, embora tenha havido uma boa recuperação do índice Ibovespa nas últimas semanas de 2014, mas, as perspectivas de recuperar das perdas do ano recém findo ainda se mostram sombrias, mesmo porque enquanto durarem as apurações dos casos de corrupção na Petrobrás, o carro-chefe das empresas com ações na Bovespa, os negócios continuarão em dificuldade. Aliás, ao apagar das luzes de 2014 o governo federal, através de medida provisória, modificou várias regras previdenciárias que, a despeito da correção de várias distorções do Regime Geral de Previdência Social, criam mais dificuldades para os segurados, em especial os aposentados e pensionistas.
No geral, é imprescindível o corte de gastos públicos nas diversas esferas federativas, da União, Estados e Municípios, o que projeta uma enorme desconformidade com as promessas que os empossados (ou reempossados) fizeram para conquistar seus mandados, inclusive a presidente Dilma. Qual governador prometeu aos seus eleitores, nos palanques de campanha, corte de gastos e, por conseguinte, a redução de ações e programas governamentais? Seguramente, nenhum deles; tudo o que disseram ou prometeram naquele período ampliam o propósito de aumento gastança desenfreada, sempre na esperança de poderem suprir os depauperados cofres públicos saqueando o indefeso e iludido cidadão-eleitor, inclusive alguns novos governadores até falam na exumação da famigerada CPMF. Certamente, vão abrir as caixas de ruindades nesses começos ou recomeços de governos, para seguir aquela velha lição do florentino Machiavelli segunda a qual o governante, no exercício do poder, deve tomar todas as medidas amargas de uma vez e logo no começo do governo. De esperar, apenas, que, pelos votos que receberam, ao menos possam lembrar que o cidadão, longe da esperança por decreto, deve ter garantido aquilo que o poeta denomina como "direito augusto de viver."
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários críticos sem identificação não serão aceitos.