domingo, 27 de setembro de 2015

Artigo de Nereu Linhares

O que precisa ser esclarecido e ajustado
sobre a pensão dos ex-governadores
                                                                    
              No dia 24 deste mês de setembro/2015, a sociedade norte-rio-grandense foi surpreendida com a publicação no DOE/RN, de dois Atos Administrativos para “Regulamentar o recebimento” de subsídios mensais vitalícios pelos Ex-Governadores Lavoasier Maia e José Agripino Maia, tendo esse assunto gerado enorme repercussão negativa nas chamadas “redes sociais”, tanto para o atual Governo que tem negado reajuste salarial aos servidores alegando verdadeiro caos nas finanças do Estado, quanto para os próprios beneficiários, que vêm sofrendo desgaste em virtude da não aceitação pela sociedade, desse tipo de privilégio oriundo do abominável período ditatorial vivido neste País.

Entretanto, ao contrário do que parece, os tais Atos não tratam de uma concessão que esteja sendo feita agora pelo atual Governo, mas apenas e tão somente da regulamentação do recebimento desse benefício que já vem sendo pago a cada um dos referidos Ex-Governadores desde que concluíram seus mandatos nos anos de 1983 e 1987, respectivamente, o que pode ser constatado no “Portal da Transparência” ou, para os órgãos de controle, a exemplo do TCE, através das matrículas de cada um.

Esses subsídios mensais vitalícios passaram a ser pagos aos referidos Ex-Governadores à época, porque naquela ocasião (apesar do questionamento quanto ao princípio da moralidade) havia previsão legal nesse sentido, cujo dispositivo específico era o artigo 175 da então vigente Constituição Estadual, com a redação da sua Emenda Constitucional nº 04, de 05.06.1974, que assim expressava:

“Art. 175. Cessada a investidura do cargo de Govenador do Estado, quem o tiver exercido, em cumprimento integral ou parcial do mandato, fará jus, a título de representação, a um subsídio mensal e vitalício igual ao vencimento do cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.” (originais sem negrito).

Tratando-se então de um benefício que já vem sendo pago de forma legal há mais de 30 (trinta) anos, portanto Ato Jurídico Perfeito e Acabado fica difícil alcançar o porquê da expedição dos referidos Atos Regulamentadores pelo Governo atual, até mesmo por ser isso desnecessário à luz do Direito Administrativo (que sem dúvida é bem dominado nos Órgãos Jurídicos do Estado), a não ser que tudo tenha sido proposital, exatamente para provocar essa enorme repercussão negativa nas “redes sociais” e consequente desgaste dos beneficiários, pois é notório que a sociedade, mesmo sabendo que havia previsão legal para essa “pensão vitalícia” dos Ex-Governadores do RN, sempre a classificou como i m o r a l.

Concluir pela possibilidade de ser proposital a publicação dos mencionados Atos Regulamentadores pelo Governo atual, se constitui uma decorrência lógica dos procedimentos que ensejaram essa publicação, pois a análise dos tais procedimentos, mesmo que de forma perfunctória, não tem como levar a outra dedução, senão no sentido da completa desnecessidade da expedição dos referidos Atos Regulamentadores. Vejamos:
a)      essa publicação foi definida nos autos do Processo Administrativo - Protocolo nº 107220/2014-4, formalizado em 20.05.2014 (consulte em Protocolonet), através do qual os interessados solicitaram o reajuste dos seus subsídios ou pensão vitalícia que até agosto/2015 estava sendo paga no valor de “apenas” R$ 21.914,76, portanto um pouco menor que o subsídio de um Desembargador do Tribunal de Justiça, o que contrariava, aparentemente, o montante estabelecido no acima transcrito dispositivo legal permissivo do benefício;

b)     recebido esse processo revisional citado na alínea “a”, foi determinado que a ele se apensasse os antigos processos originários da concessão dos benefícios aos referidos Ex-Governadores, sendo então informado que aqueles processos originários haviam sido extraviados, informação essa que levou a PGE a sugerir a expedição desses tais Atos Regulamentadores, quando bastaria sugerir a simples reconstituição dos autos extraviados, o que pode e deve ser feito com documentação mínima que esteja em poder dos beneficiários e do próprio Poder Público nos assentamentos funcionais desses beneficiários, isso sem falar que a revisão envolve matéria estritamente de direito, bastando para isso que se tenha os contracheques mostrando os valores que estão sendo pagos e a legislação regulamentadora desse pagamento. Onde está então a necessidade de se expedir novos atos? O corpo Técnico-Jurídico do Estado desconhece algo tão simples e corriqueiro?    

O certo é que, independentemente do extravio dos processos e de ter os beneficiários solicitado a revisão das suas pensões vitalícias, essa revisão já deveria ter sido feita há anos pelo próprio Estado, automaticamente, isso em razão das alterações legais que ao longo do tempo atingiram esse benefício dos Ex-Governadores, devendo essa revisão começar verificando se o benefício sempre foi pago no valor do vencimento do cargo de Desembargador como diz expressamente o dispositivo legal autorizador da concessão (CE de 1974 – art. 175), ou se no valor total da remuneração daquele cargo, haja vista que até a edição da Lei complementar estadual nº 213, de 07.12.2001, essa remuneração era composta pelo vencimento e pela representação, sendo esta última parcela de valor sempre maior que a primeira.

Outra verificação que também não poderia ter deixado de ser feita é quanto ao Teto Remuneratório estabelecido pela Constituição Federal no seu artigo 37 inciso XI, com a redação da Emenda Constitucional nº 41/2003, que limita para os Estados, desde 01.01.2004, remuneração e subsídio em valor máximo equivalente a 90,25% (noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento) do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, limitação essa relativa a qualquer espécie remuneratória proveniente da relação de trabalho com o Poder Público e que seja recebida “cumulativamente ou não”, o que significa dizer, no presente caso, que se faz necessário saber quanto os dois beneficiários recebem do Senado e/ou da Câmara Federal, seja a título de remuneração pelo exercício de função pública em atividade ou de proventos por inatividade, para somente assim saber se ainda resta algum valor a ser pago pelo Estado. Essa determinação está complementada no artigo 9º da mesma EC nº 41/2003, que manda aplicar a essa questão do Teto o art. 17 das Disposições Transitórias da Constituição Federal, estabelecendo este último dispositivo: que toda espécie de vencimentos “que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.”

Finalmente, não seria demais lembrar, que essa vinculação do valor da pensão vitalícia dos Ex-Governadores do RN com os subsídios do cargo de Desembargador, já não mais subsiste desde o advento da Emenda Constitucional nº 19, de 04.06.1998 que, alterando o inciso XIII do artigo 37 da Constituição Federal, assim estabeleceu:

“é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para efeito de remuneração de pessoal do serviço público”. 

Constata-se, pois, que aqui houve a modificação de um regime jurídico e, considerando que a jurisprudência já é unânime no sentido de que nessa hipótese não há direito adquirido, parece não haver dúvida de que o pedido de revisão dos referidos Ex-Governadores não faz nenhum sentido, assim como também não faz nenhum sentido a edição dos tais Atos Regulamentadores publicados no DOE/RN de 24.09.2015 pelo Governo atual e muito menos se justifica a falta de revisão que o Estado vem deixando de fazer nessas pensões para adequá-las ao novo ordenamento legal pertinente. Para isso não precisa manusear os processos originários, posto que os respectivos contracheques estão sendo gerados mensalmente e a legislação regulamentadora se encontra ao alcance de qualquer pessoa. Dizem as boas línguas, que a folha de pagamento do Estado do RN está recheada de situações equivalentes.


                                                                 Natal-RN, 27 de setembro de 2015
Nota do blog: Nereu Linhares integra o Conselho Estadual da Previdência Social.
Leia também aqui no blog sobre este assunto:

Governo do RN responsabiliza a justiça pela pensão de ex-governadores  

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