domingo, 6 de outubro de 2013

Artigo de Paulo Afonso Linhares

CONSTITUIÇÃO CIDADÃ: 25 ANOS DEPOIS

Paulo Afonso Linhares

Despertava o Brasil de um pesadelo de mais de duas décadas de regime autoritário, de supressão das liberdades civis e políticas, quando veio a lume a Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, estatuto político e jurídico representativo da correlação das forças que participaram do embate renhido que teve como palco a Assembleia Constituinte instalada em 1° de fevereiro de 1987.

De princípio um grave vício de origem: não se tratava de uma constituinte exclusiva, isto é, uma assembleia formada por representantes eleitos cuja finalidade precípua seria a de elaborar a nova Constituição, mas, de um Congresso Constituinte, isto é, os 559 deputados federais e senadores, eleitos em novembro de 1986, acumulariam as funções de congressistas e de constituintes; findos os trabalhos da Constituinte, continuariam a atuar no parlamento bicameral ordinário. Essa grave circunstância, todavia, foi minimizada  pelo alargamento da participação dos diversos segmentos sociais em várias fases do processo, a partir da aprovação de um regimento interno ampliativo da iniciativas populares.

A verdade é que, graças à atuação de lideranças do porte de Ulysses Guimarães, o presidente da Assembleia Constituinte, o processo que teve uma origem espúria (um Congresso ordinário transformado em Constituinte) e com enorme déficit de legitimidade, adquiriu enorme representatividade social e política nos tensos vinte meses que se seguiram. E foi tal que, solenemente promulgada em 5 de outubro de 1988, a nova Constituição revestia-se de inegável legitimidade.

A despeito das tantas objeções levantadas contra a nova lei fundamental e suprema do Brasil, o parâmetro maior de validade a todas as demais espécies normativas, ademais de ser a chave de abóbada do ordenamento jurídico, como de ser muito detalhista e de albergar matérias que deveriam ser próprias de espécies normativas infra constitucionais, fato é que a Constituição de 1988 nasceu como uma das mais avançadas das últimas cinco décadas, a começar pela definição de uma pauta de direitos fundamentais antes mesmo das disposicões que cuidam da organização do Estado.

Embora auto aplicáveis suas disposições, a Carta de 1988 necessitava da regulamentação de quase trezentas normas infra constitucionais, muitas das quais ainda estão pendentes após passado um quarto de século de omissões do Congresso Nacional, a começar pelo aborto que se tornou o processo revisional previsto no artigo 3° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ("A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral"), quando importantes reformas, sobretudo, a reforma política, deixaram de ser feitas. Apesar das 6 emendas de revisão e de outras 72 emendas constitucionais, a Constituição de 1988 carece de muitos ajustes para adaptá-la às novas demandas sociais, econômicas, políticas e ambientais.

Se a promulgação da Constituição de 1988 representou o ápice do processo de ascensão dos direitos  fundamentais no Brasil, o momento atual, vinte e cinco anos depois, é mercado por uma tendência de acentuada precarização desse elenco de direitos de berço constitucional, inclusive a partir da atuação de um Poder Judiciário cada fez mais dominado pelo ativismo judicial e da omissão constante do Congresso Nacional, que sistematicamente  deixa de  produzir marcos regulatórios em diversos domínios, isto sem falar num Poder Executivo hipertrofiado e imperial. Enfim, Poderes desarmônicos de um Estado federal marcado por crescentes desigualdades sociais e regionais, no que resulta quase nada a comemorar nestas bodas de prata da vigente Constituição.


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