segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Artigo de Paulo Afonso Linhares

COISAS DA 
SOBERANIA POPULAR

Paulo Afonso Linhares

Ao escolher a democracia representativa como regime político predominante, o constituinte de 1988 escreveu, na parte primeira do seu artigo 14, que "A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (...)", para estabelecer peremptoriamente como balizador político e jurídico do Estado  de Direito brasileiro o chamado "princípio democrático", pelo qual “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Claro, como adverte José Afonso da Silva, “a configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado democrático e Estado de Direito” ( 2005, p. 119).

Com efeito, o Estado Democrático de Direito foi a  escolha maior do conjunto de segmentos sociais que trouxe a lume a atual Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, há exatos 25 anos, para implementar um grau superior de organização da sociedade brasileira, a partir da subordinação dos cidadãos à ordem jurídica por ela instituída e alicerçada num sistema de direitos fundamentais - individuais e coletivos - na justiça social, na igualdade, na legalidade, na divisão dos poderes ou de funções do Estado e na certeza e segurança jurídicas.

O Estado Democrático de Direito é caracterizado pela prevalência do princípio da maioria, enquanto técnica em que consenso se estabelece sempre pelo maior número dos cidadãos que expressam seu consentimento através do voto direto e secreto, na condição de legítimo titular do poder, posto que, em regra, o exerça através de representantes, ademais de utilizar, também, instrumentos típicos da democracia direta e semidireta (plebiscito, referendo e iniciativa popular de projeto de lei). Para a ordem constitucional implantada em 1988, os processos políticos de legitimação do poder regem-se por normas democráticas, como eleições periódicas pelos cidadãos, bem assim respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais proclamadas na mesma Constituição.

No chão da democracia a vontade da maioria, expressa através do voto direto e secreto, se faz soberana, embora sem esmagar a minoria. No entanto, é comum nas sociedades em que têm realce práticas autoritárias e oligárquicas as tentativas de substituição da vontade soberana dos cidadãos por indivíduos ou mesmo por pequenos grupos encasteladas na burocracia estatal e detentores de atribuições que lhes permitem tomar decisões com alto poder de resolutividade e grande alcance social. Neste campo si situam os membros do Poder Judiciário e, em menor medida, os do Ministério Público.

As normas que regulam o sistema eleitoral brasileiro são cada vez mais severas, com a ampliação das hipóteses de vedação de condutas, ou seja, aquilo que o eleitor, partidos políticos, candidatos e autoridades públicas não podem fazer. A miríade de proibições contida no marco regulatório eleitoral dá ao aplicador do direito, ao juiz, uma margem enorme de decisões derivadas de interpretações desautorizadas e até equívocas de normas legais em confronto com fatos, nas quais avultam aspectos pessoais, políticos e mesmo ideológicos, em detrimento das posições prevalentes na jurisprudência dos tribunais e na opinião majoritária dos doutrinadores do Direito.


Por isto é que nos julgamentos das diversas ações judiciais em matéria eleitoral deve prevalecer um tratamento parcimonioso e de inafastável serenidade, de modo que a decisão do juiz, individual ou mesmo coletivo, não venha a substituir as manifestações da soberania popular através das eleições de agentes políticos paras os diversos níveis de governo e parlamentos. Parece indubitável que as regras que coíbem abusos do poder econômico e político, vícios e práticas ilícitas que permeiam os processos eleitorais, devem ter efetividade, isto é, exigem integral cumprimento para coibir quaisquer atitudes que possa debilitá-los da legitimidade que é o pressuposto da soberania popular. Entretanto, numa base de proporcionalidade, é fundamental sejam sopesados valores em confronto, com a preservação  sempre que possível das manifestações  da vontade majoritária dos cidadãos, plasmadas nas urnas eleitorais, expressão concreta do "princípio democrático" que imanta todo o sistema constitucional brasileiro implantado há um quarto de século. A propósito, bem disse recentemente o presidente Barack Obama, diante do impasse na votação do orçamento federal norte-americano:"Não podemos fazer da rotina de extorsão parte da nossa democracia". Pano rápido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários críticos sem identificação não serão aceitos.